Olá, olá.
O ano de 2023 está bem longe de ter sido ruim para mim. Eu poderia falar das minhas vitórias aqui, mas eu ia trair meus interesses com esse último texto do ano. Quero ir contra o algoritmo e falar sobre “não chegar lá”, sobre não ter uma foto bonita numa paisagem para o Instagram. Hoje nós vamos na contramão do like.
Eu queria compartilhar com vocês alguns dos meus fracassos esse ano:
Abandonei um romance que escreveria no mês de janeiro (na real, não lancei nenhum livro ou HQ).
Em fevereiro abandonei o aplicativo para aprender a tocar piano.
Li 28 dos 50 livros/HQs que defini como meta.
Das três bandas do início de 2023, estou acabando com uma completamente nova e ¾ de uma das que sobreviveu.
Comecei o ano com quatro gatos e termino com apenas três (numa das minhas perdas mais dolorosas dos últimos doze meses).
Não concluí minha dissertação no prazo.
Só enviei três textos nesse mailing.
Faz tempo que eu quero falar de expectativa e frustração na carreira artística do meu ponto de vista pessoal. Afinal, lidar com isso é uma coisa inteiramente íntima. Se eu decidir me abrir sobre isso é porque espero que me ouvir chorar um pouquinho faça você chorar menos.
Sou pai de duas crianças e é muito claro para mim perceber os momentos em que elas se comparam com amigas da mesma idade. Eu mesmo tenho que me policiar para evitar pensar em como a coleguinha anda de patins melhor do que minha filha. Não é uma falha de caráter, é uma falha do sistema capitalista mesmo, afinal desde cedo a gente compete pela medalha no torneio de futsal, pelo primeiro lugar entre as melhores notas na turma, pela vaga no curso no vestibular, pelo emprego idealizado etc.
Lembro de ter ido ao meu primeiro Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte (FIQ) em 2011. De um lado e do outro da minha mesa eu via publicações muito mais legais do que os fanzines xerocados que eu tinha conseguido levar. Mas dureza mesmo foi ver um estande na frente com garotos abaixo dos 14 anos ganhando toda a atenção do evento, enquanto eu, na idade ~desesperadora~ de 27 anos ainda não conseguia parar um vivente na frente do meu espaço. Porque é isso… a frustração normalmente é distribuída num combo com a inveja.
Sem esse papo aqui que em arte não há competição. É difícil não olhar aquele seu conto ou ilustração e não se comparar com o colega da “mesa do lado”. E não estamos falando apenas de técnica. O outro colega, inclusive, pode estar numa fase técnica anterior à minha (até porque essa coisa de melhor e pior em arte para mim nem existe), mas se conseguiu publicar numa editora melhor ou ser convidado num evento grande, eu já vou achar que estou fazendo tudo errado. E olha que quem digitou essas letras foi um homem-cis-branco. Essa conversa também tem muito a ver com privilégios e se eu, aqui do interior do Ceará, tenho que pedalar o dobro pra chegar onde os coleguinhas de São Paulo chegam, artistas não-homens, não-brancos e não-cis precisam pedalar o triplo que eu.
Mesmo que um ou outro artista diga que faz arte pela arte, a maioria de nós se vê sempre competindo: por prêmios, por espaço, por atenção, por jobs etc. A frustração nos faz até esquecer que, no fundo, pouca gente vive disso e sucesso é um conceito super incipiente. Vender muitos livros é sinal de sucesso? Ter muitos seguidores é sinal de sucesso? Ganhar um prêmio é sinal de sucesso? Garanto que tem gente muito mais bem servida em uma ou mais dessas questões e tem tanta síndrome do impostor quanto eu ou você. No final, a gente precisa descobrir o que realmente importa para gente. E seguir fracassando. Porque, tanto quanto nossa técnica, nós precisamos também aprender a arte de conviver com a frustração de não se sentir lido/assistido, de não ganhar o prêmio, de não ter seja qual for o retorno que você esperava pela sua criação, de não atingir o tanto de gente que gostaria de atingir com aquele texto que você escreveu para o seu mailing sobre frustração.
No final, o que mais nos define como artistas é o que fazemos entre um ~~sucesso~~ e outro. No caminho árduo dentro dos vales que separam os picos. “O verdadeiro trabalho está em conseguir manter a sanidade durante todas as fases de criação”, como eu li por aí num ótimo texto da Elizabeth Gilbert. Eu não tenho um conselho para isso, até porque provavelmente pareceria autoajuda. O que eu faço é continuar tentando. O próximo trabalho pode ser o antídoto para o anterior. Ou não. Só vou descobrir seguindo sempre em frente.
Certamente ajuda procurar se cobrar menos. Hoje eu tenho persistido mais do que eu persistia antes nas coisas, mas cada vez mais também respeito os limites do meu corpo. Se deu, ótimo. Se não deu, respira fundo, retoca a maquiagem e procura outro lugar para se apresentar. Faço o melhor dentro do tempo que eu tive, jogo no mundo, comemoro os elogios e absorvo o mais rápido que posso as críticas. De novo, vale a máxima de fazer melhor da próxima vez. O erro de ontem faz parte do que tive que aprender para acertar hoje.
Uma verdade dura sobre trabalhar com arte é que você vai fracassar muito mais do que acertar. Às vezes, você até vai acertar, mas vai achar que fracassou porque não foi capaz de ver algo maravilhoso que aconteceu no caminho*. Eu tenho tentado abrir mais os olhos e curtir o processo.
Para os próximos anos, que venham muito mais fracassos. É um sinal de que eu estou tentando.
Um abraço e até o ano que vem!
* Ah, eu tinha me prometido não colocar nada edificante aqui, mas
eu não resisto. Comecei a escrever esse texto lidando com a frustração
de não ter sido indicado ao Troféu HQMIX desse ano. Aí abri uma notícia sobre a indicação da quadrinista Lara Nicolau e ela me citava como influência. Acho que foi melhor do que ganhar o prêmio.
** A tirinha que ilustra esse post é do Lucas Gehre.