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30 de dez. de 2016

Falou, 2016! (Lista do Zé #11)



Olá, olá!

2016 já era e eu tenho que dizer: MUITO OBRIGADO! Os textos da Lista do Zé me mantiveram escrevendo e buscando coisas para ler e assistir (neste ano que eu fiz as duas coisas bem pouco). 2017 vem chegando cheio de promessas, entre elas três possíveis novos álbuns em quadrinhos (que eu espero falar mais no próximo texto). Eu mal posso esperar. Por enquanto, vamos de indicação de filme pra tentar terminar este ano estranho em alto astral.

Apenas cante

Será que o diretor John Carney sabia que filmaria um dos momentos mais lindos da história do cinema quando entrou numa loja de música para captar Glen Hansard e Markéta Irglová tocando Falling slowly no filme Apenas uma vez (Once)? Segundo meu correspondente irlandês, por essas e outras, o filme se tornou um patrimônio do audiovisual na Irlanda, sendo hoje um musical permanente exibido em Dublin. Eu demorei pra conhecer esse filme e o trabalho do diretor irlandês. Num dos primeiros podcasts que gravei pro Iradex, falamos sobre o filme Mesmo se nada der certo (Begin again). Eu ainda não tinha visto o filme e fiquei curioso demais por falarem da forma como Carney tratava a música em seus filmes. Vi o filme e depois foi inevitável não assistir Apenas uma vez e ficar completamente obcecado pelo trabalho do diretor. E aí, no segundo texto da Lista do Zé, eu cantei uma bola: tinha saído o trailer do novo filme de John Carney... e o longa deve ser bom. Sing Street estreou em abril e, infelizmente, passou longe dos cinemas daqui (pelo menos por enquanto). Mas eis que, num plot twist inesperado, o filme aparece na Netflix.

Em Sing Street: Música e sonho, Conor é um garoto vivendo na Dublin da década de 1980. Não bastasse a adolescência ser o que é, Conor encara o fim do relacionamento dos pais e os abusos de uma escola conservadora, seja por parte do valentão da vez, seja pelo padre-diretor-perseguidor. Mas tem algo ali que ainda vale muito a pena. Tem toda a efervescência musical dos anos 80. E tem uma garota.

Sing Street: Música e Sonho é até parecido com os filmes anteriores de Carney, já que mostra personagens tentando realizar seus sonhos através da música enquanto acompanhamos o desenrolar de um amor "complicado". Por ser baseado nas memórias de infância do diretor, acho que aqui encontramos algumas das explicações pro seu modo de fazer cinema. Numa parte específica do filme, Conor (ou Cosmo) aprende que o amor é essa coisa "feliz-triste", uma sensação comum a esta última trinca de filmes de Carney. Quem já viu os dois filmes anteriores sabe que seus finais felizes também deixam um gosto amargo na boca. Mas todo esse amargor é dissipado pela aura musical que emana das suas obras, neste último filme homenageando tudo que foi a década de 80, com Duran Duran, The Cure e tudo o mais que você achar que era necessário para ser educado nos anos 80. Sobre esta educação, cabe a Brendan, irmão mais velho de Conor, o papel de mentor nesta jornada musical.

O filme é um espetáculo à parte no momento em que vemos o processo de composição da banda Sing Street, gerando lindos momentos de catarse musical (e espetacular edição de áudio, diga-se de passagem). Se Apenas uma vez gerou a linda Falling slowly e Mesmo se nada der certo a maravilhosa A step you can't take back, Sing Street tem tantas músicas legais que é difícil escolher uma só como o ponto máximo do filme. Pessoalmente elegi Up como a clímax musical do longa. Até pensei em deixar links dos vídeos dessas músicas, mas eu acho um sacrilégio elas serem assistidas primeiro fora do filme. Veja os filmes primeiro e depois se perca nas trilhas sonoras (todas disponíveis no Spotify). E olha só, faltam três dias pro final do ano. Por que não assistir um filme de Carney por dia e acabar o ano com um sorriso no rosto?

Um adendo final sobre o filme é dizer que ele também é sobre irmandade, como a sequência final e a última frase exibida antes dos créditos deixa a entender. E eu lembrei muito do meu correspondente irlandês enquanto assistia o filme. Meu irmão Leco está desde o início do ano em Dublin (MAS NÃO VIU ONCE AINDA!!!!!). E fez aniversário no último dia 28, veja só. Parabéns, Leco! E depois deste filme aprende a escutar mais as bandas que eu sugiro...


Você pode também deixar um comentário sobre esse texto no meu Facebook, no post sobre ele.

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Já leu Quem Matou João Ninguém? ou Steampunk Ladies? Que tal ir no Skoob e avaliá-los? Você ajuda a mais pessoas saberem se os livros são para elas:

 

Bem rapidinho

  • Dia 7 de janeiro minha banda Sobre o Fim vai estar no Garage Sounds, em Fortaleza. Bora?
  • Eu e o PJ Brandão convidamos os roteiristas Pablo Casado e Marcio Moreira para falar sobre diálogos nos quadrinhos. Pessoalmente eu gostei muito do resultado. Escute aqui!
  • De novo com o PJ e de novo em podcast, mas agora com o Kaio Anderson e o Gabriel Franklin, conversamos sobre como os serviços de streaming estão nos transformando. Muitas previsões para o futuro do entretenimento neste link.

E até 2017!


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28 de nov. de 2016

Atendendo a pedidos (Lista do Zé #10)


Olá, olá!

Eu fui no Facebook e perguntei pra galera: o que você gostariam que eu escrevesse para a próxima newsletter? As respostas foram bem variadas. Teve gente que pediu para comentar sobre série, alguns sobre estrutura de escrita, outros sobre a situação política do país, alguns tiraram onda... Fiquei pensando no que fazer com as respostas e com a maior pena sobre escrever sobre uma coisa só. Aí lembrei que a Amanda Palmer, uma das minhas pessoas prediletas no mundo, abria uma comunicação com os fãs e depois pegava todos os assuntos abordados nas conversas e fazia uma música. Será que eu conseguiria fazer um texto que fizesse algum sentido com os comentários que postaram neste post? Vejamos.

Faroeste, ficção científica, gênero e Westworld

Um dos principais motivos de eu ter escrito o primeiro volume de Steampunk Ladies é o fato de eu ter uma memória afetiva relacionada aos westerns que meu pai assistia, ainda na época do videocassete. Não me considero um grande fã de bang-bangs, mas aprendi a apreciar o gênero.

Os faroestes se tornaram um gênero próprio de Hollywood, depois de um grande sucesso destas produções nas décadas de 60 e 70. Foi a partir de uma imersão no gênero que começou a construção do roteiro do meu quadrinho, como já é meu costume de trabalhar. No seu ótimo livro Story, Robert McKee fala sobre a importância de se apoderar das principais convenções de um gênero de história antes de começar a escrever dentro dele. Para exemplificar, lembre-se dos filmes de terror (os do cinema, e não este que está passando em Brasília agora, numa trama onde os personagens principais estão limpando todos os seus rastros). O cinema de terror prega que o filme tem uma determinada estrutura: aqueles momentos em que todo mundo espera um susto, um grupo que vai diminuindo conforme a história acontece etc. Se um dia você quiser escrever uma história de terror, um bom início é entender esta estrutura que o fã do gênero já está acostumado. Ou você segue a estrutura (mas incluindo sua própria autenticidade à história) ou pensa numa forma brilhante de subvertê-la (e no caso específico de filmes de terror eu recomendo o excelente O segredo da cabana). Na prática a dica é: faça uma imersão nos melhores exemplos do gênero que você quer escrever e encontre os pontos pelo qual o fã do gênero aguarda. Isto vai evitar que sua história romântica tenha como personagens principais abóboras psicodélicas ou que sua trama de drama político apresente uma cena onde o Steven Seagal recebe uma homenagem do governo russo por serviços prestados (quando o mundo é mais estranho que a ficção). Não que o caminho seja criar uma obra calcada nos clichês do gênero. Acontece que quem gostou dos filmes do Harry Potter espera encontrar em Animais Fantásticos e Onde Habitam certos elementos para se sentirem motivados a comprar aquela nova ideia.

Para Steampunk Ladies eu comecei a me reaproximar dos faroestes, dando preferência ao cinema. Coincidentemente no período que iniciava o argumento, eu estava finalizando o roteiro de Quem Matou João Ninguém?, que tinha um personagem que vivia em função dos filmes do ator Clint Eastwood e foram duas bolas com um bicho piruleta só. Essa experiência colocou o diretor Sergio Leone entre os meus diretores prediletos, mesmo que ironicamente ele seja um dos realizadores que menos se utiliza da estrutura comum dos faroestes norte-americanos (estes muito influenciados pelos spaghetti western italianos). Aproximei-me também dos quadrinhos de faroeste, especialmente os (também italianos) da Editora Bonelli, como Tex e Zagor, conhecidos por seu apuro editorial. Mas é engraçado dizer que, no meio de todas estas boas influências, uma das coisas que mais gostei de me referenciar foi As loucas aventuras de James West, filme do Barry Sonnenfeld estrelado por Will Smith e que normalmente é escrachado pelos fãs de steampunk. O que eu sei é que me diverti pra caramba com esta mistura de faroeste e ficção científica, o suficiente para achar que minha história de faroeste também precisava ser sci-fi.

Recentemente quem tem feito essa mesma mistura de forma brilhante é a série Westworld, que caminha para o último episódio de sua primeira temporada no próximo domingo. Se em Steampunk Ladies eu levei o futuro para o passado, imaginando um mundo que evolui de forma diferente do nosso, em Westworld o passado é levado para o futuro, quando um parque temático se propõe a oferecer a experiência de se viver na virada do século XIX para o XX no oeste americano. E só apenas na sua relação entre ficção científica e faroeste que as obras se encontram. Diferente da minha HQ, a série da HBO é um drama pesado e o tipo de série que abre mil caminhos (e teorias) a cada episódio (sdds Lost). Vale avisar que Westworld é mais sobre ética e inteligência artificial do que sobre os temas comuns de faroeste (justiça e vingança). Pelo menos é o que parece a princípio. O gênero parece importante apenas no momento em que vemos as histórias dentro da história, já que os personagens do parque temático são seres que vivem histórias escritas por roteiristas.

Westworld, um criação de Jonathan Nolan (irmão e principal parceiro do diretor Christopher Nolan) e Lisa Joy, nasce com a tremenda responsabilidade de substituir Game of Thrones, que parte para suas duas últimas temporadas. Contando com a colaboração de um time estrelado (que inclui J. J. Abrams na produção e Anthony Hopkins no elenco), em termos de produção, no momento Westworld é um representante à altura para a tarefa, arriscando-me a dizer que sua primeira temporada é muito superior à primeira da série baseada na obra do George RR Martin. Resta saber se a temática fria, científica e complexa conseguirá ter o mesmo apelo junto ao grande público da sua antecessora.


E você, gosta de faroeste? Já está vendo Westworld? Deixa um comentário pra gente conversar a respeito. Você pode também deixar um comentário sobre esse texto no meu Facebook, no post sobre ele.

No texto passado falei sobre Economia Criativa e fiquei feliz DEMAIS com os feedbacks. Vai ter mais, aguardem.

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Bem rapidinho

  • Estarei no dia 11 de dezembro em Fortaleza, para participar da X Feira Livre de Quadrinhos. O evento reúne apaixonados por quadrinhos e tem como proposta ser uma grande feira de escambo em plena Praça Luiza Távora, em Fortaleza. Vai ter um espaço especial para autores e darei o ar da graça, começando (ainda que timidamente) a voltar a participar de eventos.
  • No próximo final de semana eu poderia estar na roda de samba do Ancelmo, em Forquilha, mas ao invés disso dou início ao retorno das atividades da minha banda Sobre o Fim, com nova formação, começando por um show no AFA, evento que acontece na minha cidade, Sobral, no próximo dia 4 de dezembro. Para o início do ano que vem já temos agendada uma participação no Garage Sounds, no dia 7 de janeiro, num festival que reunirá mais de 30 bandas em 12 horas de show ininterrupto em Fortaleza. Cheguem junto.
  • Eu vou tocar rock em Sobral neste final de semana. Em São Paulo a Editora Draco toca o terror, a fantasia e a ficção científica num estande na CCXP, o maior evento de cultura pop do Brasil. Você infelizmente não vai me encontrar lá, mas vai encontrar meus quadrinhos no estande da editora. No estande da Draco eu destaco ainda os lançamentos dos novos volumes dos mangás Quack e Tools Challenge, este último fazendo sua grande estreia na editora do dragão. Os autores destas obras, Kaji e Max Andrade respectivamente, são pra mim dois grandes nomes dos quadrinhos nacional no estilo mangá da atualidade. Tem também O Despertar de Ctulhu em Quadrinhos, segundo volume da trilogia do “medo duotone”, agora focando no mestre H.P. Lovecraft, capitaneado pelo meu editor Raphael Fernandes (este homem lindo e que nem precisa de dicas minhas pra isso) (P.S.: junto com os autógrafos, peçam nudes pra ele). Procurem também pela mesa do Talles Rodrigues e do Pablo Casado e levem pra casa Mayara & Annabelle – Volume 3, que não é da Draco, mas é foda. E junto peguem o material da Netuno Press que vai estar na mesa do Pablo e Talles e saibam de onde saem os melhores quadrinhos do Ceará na atualidade.
  • Ainda falando em Draco, ontem a editora completou sete anos de vida. Misturando aniversário com Black Friday, tá rolando uma superpromoção no site do dragão, com todos os títulos com 40% de desconto e frete grátis para todo Brasil. Quem Matou João Ninguém? e Steampunk Ladies saem por menos de R$ 40,00 JUNTAS! E a promoção é só até AMANHÃ (29/11/16). CORRE NESTE LINK!
  • O Iradex agora faz parte desse negócio chamado financiamento coletivo recorrente. Através da plataforma Padrim é possível definir um valor mensal para colaborar para que o podcast continue existindo. Felizmente a campanha já é um sucesso além do esperado. É possível que nesta nova fase eu participe mais dos programas (tudo depende da minha tumultuada relação com estes seres chamados Kaio Anderson e Gabriel Franklin). Conheça a campanha do Iradex no Padrim e sinta-se a vontade para contribuir com qualquer quantia a partir de R$ 1,00 por mês e ser um dos “padrins” do podcast.
  • Podcast é a lei mesmo (pelo menos pra mim). Eu, o PJ Brandão e o Luis Carlos Sousa gravamos mais um para o Avantecast, no que agora chamamos de Roteirismos, série de programas focados principalmente no roteiro das histórias em quadrinhos. No último episódio o papo gira em torno de adaptações para quadrinhos, tarefa mais difícil que definir o que é biscoito e o que é bolacha, com a participação especialíssima dos roteiristas Marcela Godoy e André Diniz.
  • Vou dar um destaque especial para o trabalho de três pessoas que acompanham meus textos, até por que acho que todo dia deveria ser de conhecer um autor novo brasileiro. Experimentem os textos do catarinense Leon Nunes e do cearense Leo Mackellene e os quadrinhos do piauiense João Torres. Tá produzindo algo também? Responde este e-mail e divulgo na próxima newsletter. Exclusivo pra assinantes desta listinha, gente boa de coração.
 E por hoje é só, p-p-pessoal.



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31 de out. de 2016

Grana X Criatividade (Lista do Zé #9)


Olá, olá!

Em homenagem ao Dias das Bruxas (ou Dia do Saci, você decide), o texto de hoje é sobre um assunto que aterroriza algumas pessoas: como ganhar dinheiro com arte e criatividade. É possível?

Lembrando que este e outros textos são enviados mensalmente para a minha lista de e-mails. Para receber na comodidade da sua caixa de entrada, cadastre-se ao final desta postagem.

Na semana passada fiz duas palestras e divulguei um podcast sobre Economia Criativa e pensei que isso poderia ser um tema legal para um texto.

Primeiro preciso dizer que a Economia Criativa salvou a minha vida. Antes eu era convidado para um evento/palestra/seminário/painel e não sabia bem se estava lá por que sou administrador por formação e analista técnico do Sebrae ou se por que sou roteirista de histórias em quadrinhos com alguma experiência em outras áreas de arte e cultura. Quando esse negócio surgiu, o primeiro benefício que recebi foi falar sobre as duas coisas ao mesmo tempo e isso fazer sentido... De forma bem resumida, falar sobre Economia Criativa é falar sobre a possibilidade de criatividade, arte e cultura gerarem alguma grana. Segunda a Ana Carla Fonseca, uma das maiores referências no assunto no mundo, “a economia criativa abrange todo o ambiente de negócios que existe em torno da indústria criativa, aquela baseada em bens e serviços criativos”.

Segundo o termo de referência do Sebrae, o conceito é bem amplo, indo desde museologia, passando por agências de design e editoras de literatura, até as startups, negócios inovadores com alto potencial de crescimento). Num texto muito bacana da Gisela Blanco, ela salienta que "tocar violão nas horas vagas ou fazer um filme com os amigos, apesar de atividades criativas, só vão fazer parte da economia criativa se alguém estiver lucrando diretamente com elas — ou pelo menos tentando". Vamos falar aqui sobre viver disso.

Deixando os conceitos acadêmicos de lado, a gente precisa começar pelo que é fazer arte, cultura ou qualquer outra atividade criativa no país: um exercício brutal de insistência. Isso por que 1) as pessoas não gostam de pagar por produtos culturais (ou tem isso como uma prioridade baixa na sua graninha mensal), 2) o brasileiro ainda vem se desvencilhando do preconceito da arte nacional (que vem lá da década de 50) e 3) uma série de outros problemas históricos, especialmente de educação. Como você já deve saber, eu amo consumir arte. Mas não acho fácil orientar alguém querendo empreender no meio. O jeito mais comum de se fazer arte no Brasil é conseguindo um emprego "convencional", o que garante uma certa segurança, enquanto no tempo livre você desenvolve a atividade artística. E eu tenho que dizer que isso pode ser um PÉSSIMO começo para um negócio nesse meio. Entendam bem, esse é o caminho que EU ESCOLHI. Mas desenvolver um empreendimento, seja em que segmento for, como hobby, na minha experiência, vem se mostrando um jeito muito lento de fazer um negócio dar certo. Isso quando dá certo.

Hobbies são coisas que gostamos de fazer. MASSA, você começou um negócio do jeito certo, fazendo algo que você gosta ou tem vocação. É uma das primeiras coisas que tento saber de uma pessoa que me conta que vai iniciar um negócio aqui no Sebrae. Mas hobbies são coisas que só se faz quando se sobra tempo pra fazer. E aí é que começa o problema. Negócios exigem dedicação, que se entre de cabeça no mundo deles. Um problema que tenho observado bastante com negócios que começam como hobbies é que eles não vão além disso. Acho bem válido que um negócio comece, sim, no tempo livre, até que o empreendedor entenda que ele é viável e que é o momento de imergir nele. Existe até uma expressão no meio das startups pra isso: leap of faith (que literalmente seria o "salto de fé", quando você arruma coragem para abandonar seu emprego "seguro" e se dedica a sua ideia inovadora). Mas é bom sempre se questionar se tendo um emprego em tempo integral você irá conseguir, só pra citar um exemplo, buscar novos serviços ou clientes.

Outra coisa a se pensar é transformar um hobby em trabalho. Um hobby é algo que se faz durante aquele período de ócio criativo, quando se quer esquecer a mecanicidade (acho que essa palavra nem existe, mas você entendeu) da vida real. Aí você decide oferecer aquele seu serviço de desenhista. Aparecem clientes. Aparecem prazos. Aparecem burocracias. E quando você menos se dá conta está achando tão chato desenhar quanto qualquer outro trabalho que já teve. E isso já aconteceu comigo em alguns serviços pagos de quadrinhos. Muito se fala sobre trabalhar com o que se gosta. Muita gente fantasia a respeito e cria grandes expectativas. A verdade é que se sujeitar a um mercado, seja do que for, vai implicar em responsabilidades. E, na boa, tem muita gente pensando que essa coisa de fazer arte ainda é coisa de boêmio, que só precisa se preocupar em criar. Mas tá difícil juntar boemia e grana hoje em dia, como recentemente discuti com o escritor Eneias Tavares no podcast Bestiário Criativo.

Tem ainda a questão "autoral x comercial". Eu sei que este papo de pensar arte comercialmente é um saco pra muita gente. Eu também acredito que a arte tem que ser livre de amarras e distante das esteiras industriais. Que se o artista quiser ele pode fazer aquilo só pra ele, sem se preocupar se alguém vai pagar por aquilo. Boa parte da arte de vanguarda surge assim. Pesquisa aí quando o Van Gogh começou a ganhar dinheiro com seus quadros e você vai descobrir que foi depois que ele morreu (por isso que eu choro quando assisto aquele episódio com ele do Doctor Who). Se seu objetivo é a arte pela arte, maravilha, este texto talvez não sirva pra você. E você não é um artista pior por isso (você é até uma figura necessária no meio). Agora se você quer ser músico aqui no Ceará o caminho mais indicado seria montar uma banda de forró. Mas o que fazer quando você quer tocar heavy metal? Ceder à pressão comercial para viver de música? A resposta vai estar em cada um. Quanto mais longe do comercial, mais tortuoso é o caminho, essa é a verdade. Mas não falo isso pra fazer ninguém desistir. O que ser mais autoral vai exigir do empreendedor criativo é mais planejamento. O que nos leva ao último ponto.

Mas por onde começar? Eu não faço distinção de um negócio de Economia Criativa de outro tradicional na hora de imaginar o início da atividade. No Sebrae indicamos duas ferramentas para abrir os horizontes: o Plano de Negócios e o Canvas.

O Plano de Negócios é uma coisa mais tradicional, indicada quando aquele empreendimento que você está começando é mais comum, ou seja, você está entrando num mercado conhecido (ou mais comercial, como é o caso da banda de forró já citada). É quando já existe bastante informação por aí sobre como ganhar dinheiro com sua atividade criativa. Você vai cair de cabeça neste mercado, entendendo tudinho dele primeiro, e jogar as informações neste documento. O Plano de Negócios é complexo e o Sebrae dispõe de algumas ferramentas para ajudar a fazer um (indico o curso online Iniciando um Pequeno Grande Negócio).

Já o Canvas é uma ferramenta indicada para negócios que são mais inovadores, ou que são menos comuns no mercado. Ele é bem mais simples de se usar, mas serve apenas para modelar o que você vai fazer, no sentido de ajudar você a enxergar melhor como vai ganhar dinheiro com aquilo (e outras nuances do negócio). O melhor lugar para aprender sobre o Canvas é o livro Business Model Generation - Inovação em Modelos de Negócios, dos autores Alexander Osterwalder e Yves Pigneur. O livro é tão bacana que podia muito bem ser uma das indicações que eu costumo dar aqui. Visualmente ele é lindo e o conteúdo, então, nem se fala. Ele mostra técnicas desde modelar o negócio até a hora de apresentá-lo para outras pessoas (incluindo um tal de storytelling, que eu ainda volto aqui pra falar um dia).

Enfim, o importante é começar e se planejar. Sempre li todos os manuais de roteiro e me preocupei com o FAZER da coisa. Não sei se por ser aluno do curso de Administração na época, mas quando comecei a fazer quadrinhos outra preocupação que tive foi entender o mercado para o autor nacional (mesmo ele sendo minúsculo na época). Participava de fóruns, acompanhava editores e formadores de opinião nas redes sociais, concorria em todas as coletâneas e premiações e ia para todos os eventos possíveis. Produzir é uma das coisas mais prazerosas (e importantes) do processo. Mas pra fazer parte desta brincadeira difícil que se tornou fazer arte no Brasil você precisa se informar.


Vale a pena mandar um ou outro texto sobre esse assunto? Me deixe saber que você gostou de ler esse texto através dos comentários.

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Por sinal, quer me ajudar? Se você já leu meus dois quadrinhos, que tal avaliá-los e ajudar outras pessoas a conhecê-los? É só entrar no Goodreads, Skoob ou Amazon (ou nos três) e escolher de 1 a 5 estrelinhas, de acordo com o quanto você gostou deles. Se já tiver escrito algo sobre eles por aí (às vezes para um site ou blog), copie o texto pra lá. Vou agradecer de coração.

Bem rapidinho
  • Anunciei na semana passada e foi um sucesso, aí entrei hoje na Amazon e vi que minha HQ Quem Matou João Ninguém? está novamente por APENAS 10 REAIS! Se ainda não tem, a chance é essa. Mas tem que ser rápido, por que o preço pode mudar sem aviso. Clique aqui para comprar o seu!
  • E seu interesse é Steampunk Ladies: Vingança a Vapor, também tem promoção. Comprando seu exemplar pelo site da Editora Draco você receberá gratuitamente um exemplar de O Peregrino, romance do Tibor Moricz que também mistura ficção científica com faroeste. Garanta seus livros comprando através deste link!
  • Como divulgado no início do texto, gravei um episódio do Bestiário Cast com o meu amigo Enéias Tavares, escritor do ótimo A lição de anatomia do temível Dr. Louison. Acho que o papo era pra ser uma entrevista comigo, mas virou um apanhado de percepções sobre o mercado de entretenimento no Brasil. Para quem se interessa sobre Economia Criativa, recomendo.
  • Saiu na semana passada um podcast Sem Fim (formato mais descompromissado do Iradex) com minha participação. Eu queria dizer qual é a pauta, mas a proposta é não ter pauta. Escute por sua conta e risco.

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30 de set. de 2016

Sangue e sorvete (Lista do Zé #8)


Olá, olá!

Quando estava pensando no texto deste mês, passou pela minha cabeça que existe a possibilidade de que você não conheça Edgar Wright. O diretor inglês é mais conhecido por sua trinca de filmes-paródia, ou Trilogia Cornetto (ou ainda Trilogia do Sangue e Sorvete): Todo Mundo Quase Morto, Chumbo Grosso e Heróis de Ressaca (diga-se de passagem: alguém prenda o(s) cara(s) que traduziram os títulos para o Brasil).

No primeiro filme, Wright produz uma das mais célebres homenagens a George Romero, o mestre dos filmes de zumbi. No segundo (preciso rever, mas possivelmente é meu filme predileto do diretor), temos uma paródia dos filmes policiais das décadas de 80 e 90, muitos dos quais chegaram ao Brasil através da Sessão da Tarde. Já no terceiro, Wright encerra sua trilogia com uma paródia aos filmes-catástrofe. Os três filmes têm entre os protagonistas a dupla Simon Pegg e Nick Frost, mas não tem relação um com o outro, a não ser o de serem homenagens ao cinema hollywoodiano. Ainda assim são comédias inglesas e quem está habituado com o humor que vem do outro lado do oceano sabe que as piadas têm um gosto diferente, como se trocássemos o frenético café americano pelo “menos apressado” chá inglês. Penso que foi essa diferença de ritmo que afastou Wright do que poderia ser seu grande projeto de cinema de Hollywood: a adaptação para o cinema do personagem Homem-Formiga. Anunciado desde o início do projeto como diretor, meu queridinho inglês desistiu da produção alegando as famosas “diferenças criativas”. Uma pena, já que seria a ousadia máxima da Marvel colocar um cara como Wright à frente de um dos seus blockbusters. Mesmo assim, várias piadas do filmes têm a cara dele, já que, apesar das mudanças no projeto, boa parte do roteiro de Wright foi aproveitado. Fora da cadeira de diretor, Wright ainda escreveu o divertido As Aventuras de Tintin (cadê a continuação?) e produziu o cômico Ataque ao Prédio (que não é dele, mas que poderia estar dentro da sua trilogia tranquilamente).

Se acontecesse, Homem-Formiga não seria a primeira adaptação de um personagem de quadrinhos de Wright para o cinema: em 2010 ele dirigiu Scott Pilgrim contra o Mundo, baseada na elogiada obra do canadense Bryan Lee O’Malley. A injustiçada adaptação, na minha opinião, não foi bem tragada pelo público americano por sofrer do mal da maioria dos filmes do britânico: você tem que digerir um início mais complicado e mais sério (normalmente os primeiros trinta minutos) para que você consiga chegar ao suco da obra (ação desenfreada e mil gags por minuto, já próximo ao clímax).

A relação de Wright com os quadrinhos mostra um pouco do nerd que ele é. E antes mesmo das adaptações e filmes-paródia, Edgar Wright fez para a tevê Spaced, grande influência para séries que viriam bem depois, como The Big Bang Theory e Community (sdds). Exibida entre 1999 e 2001, Spaced conta com a dupla de atores-fetiche de Wright, Pegg-Frost, onde Pegg vive o personagem Tim, que tenta a sorte como desenhista de histórias em quadrinhos para uma grande editora, enquanto divide apartamento com Daisy (Jessica Stevenson, que atua e co-escreve os roteiros com Pegg), uma escritora desmotivada. Contando com um maravilhoso (e bizarro) elenco de coadjuvantes (em sua maioria amigos de Wright e Pegg), a série prestou todo tipo de homenagem possível à cultura pop em suas duas temporadas de sete episódios cada. Eu simplesmente adoro essa série. Na verdade qualquer coisa com o nome do diretor já me levanta as anteninhas (e eu sou esse tipo de cara que escolhe os filmes e avalia as expectativas sobre ele pelo seu diretor). Se você é um amante do bom cinema e anda rindo pouco das comédias atuais, fica a indicação.

Infelizmente as únicas obras de Edgar Wright presentes na Netflix são Heróis de Ressaca e As Aventuras de Tintin. Mas é bom ficar ligado por que os filmes dele costumam entrar e sair rapidamente do serviço de streaming.


E aí, já viu algo do Edgar Wright?

Ah, é sempre bom lembrar que estou colocando tudo que leio nos meus perfis no Skoob (me sigam também no meu perfil de autor) e Goodreads e o que assisto está indo pro Filmow. Cliquem nos links e me adicionem por lá. E, se já leu meus quadrinhos, não esqueça de deixar sua avaliação neles.

Você pode também deixar um comentário sobre esse texto no meu Facebook, no post sobre ele.

Bem rapidinho
  • Aqui no Ceará, a Fundação Demócrito Rocha está lançando em fascículos dentro do Jornal O Povo um Curso de História em Quadrinhos. Participei do segundo fascículo, sobre Roteiro e Narrativa. O time de autores dos fascículos é incrível, juntando alguns dos melhores quadrinistas cearenses da atualidade. Para quem está fora do estado ou perdeu os primeiros fascículos, todo o conteúdo está disponibilizado online aqui. No site ainda tem videoaulas (incluindo uma minha sobre o mesmo tema do fascículo) e a possibilidade de receber um certificado ao término do curso. Tudo gratuito! Outras ações do projeto vão acontecer e vou divulgando pelas minhas redes sociais.
  • Além disso, nada de novo no front. Estou escrevendo dois álbuns para 2017 e minha atenção está toda neles, o que me afastou um pouco de podcasts e textos de opinião (apesar de ter coisas já feitas ainda não lançadas).

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31 de ago. de 2016

E eu ganhei o HQMIX (Lista do Zé #7)


Olá, olá!

Estes últimos dias foram bem estranhos. Para nós, o que importa aqui, é que eu venci o Troféu HQMIX, o prêmio mais importante das histórias em quadrinhos no Brasil.

Hoje, ao invés de indicar alguma coisa, eu queria apenas agradecer a todos os profissionais que deram seu voto de confiança a mim. Julho e agosto deste ano foram meses malucos. Um turbilhão de coisas se juntou, entre aniversários de crianças, eventos da empresa da minha esposa e talvez a ação mais importante que já realizei dentro do Sebrae. No dia em que recebi a notícia que tinha ganhado o prêmio (um pouco antes de ser divulgada publicamente), lembro de ter acordado com uma ligação de um cliente transtornado (com razão, diga-se de passagem) com a montagem do evento que coordenei aqui na minha cidade. Eu estava ainda baratinado das ideias, tentando solucionar o problema, quando cinco minutos depois a janela das mensagens do Facebook me trouxe a notícia do HQMIX. E isso foi só um pedacinho dessa gangorra de emoções do bimestre.

O anúncio do prêmio veio junto com a divulgação da personagem que seria o troféu deste ano. The Supermãe, personagem do Ziraldo. É impossível eu não fazer uma associação com a minha mãe, talvez a pessoa que eu mais gostaria que estivesse na premiação, mas que deixou este mundo antes mesmo de ver minhas primeiras publicações ganharem o mundo. Quando eu era criança, minha mãe tinha o costume de comprar a lista de paradidáticos do ano da escola toda de uma vez, logo no mês de janeiro. Junto com ela, eu passava o restante das férias lendo os livros antes mesmo das aulas começarem. Se hoje eu tenho esse amor incondicional por ler e escrever histórias, eu devo tudo a ela. Agora, toda vez que eu vejo a imagem do troféu, esculpido pelo artista Olintho Tahara, eu vejo minha mãe. Acabou então que, sim, ela vai estar vendo de alguma forma tudo isso acontecendo.

Preciso reconhecer também as importantes contribuições da minha esposa, Lara, e filhas, Lana e Clarice, por toda a paciência; do meu pai e irmãos, sempre presentes; da Editora Draco, em especial o Erick e o Rapha, com a parceria de sempre (e que rendeu QUATRO troféus para a editora este ano); e dos meus colegas de projeto, Amorim, Wilton, Ellis e Deyvison, que tem um pedacinho deste prêmio na conta deles. Se o prêmio veio por conta da história, impossível esquecer a contribuição importante que deram as minhas leitoras-beta, Lívia, Rute, Natasha, Rafaela e Alessandra.

Fecha-se um ciclo para Steampunk Ladies: Vingança a Vapor, que no início do ano já havia conquistado também o Troféu Angelo Agostini. Todo o período antes e depois do lançamento deste quadrinho foi esquisito para mim (e eu já falei sobre isso aqui e aqui também). Eu sei bem dos problemas que ele tem, tendo em vista meus objetivos com ele, e gostaria de ter feito algumas coisas de um jeito diferente. Mas só quem faz quadrinho sabe todas as variáveis que rolam desde a ideia na cabeça do roteirista até o livro na estante da livraria. O que eu sei é que, apesar de tudo, a maioria dos retornos deste primeiro volume de Steampunk Ladies foi positiva. A obra conseguiu encontrar seu público de uma forma que eu não esperava. É impossível que eu não siga adiante com este projeto. Por isso, para vocês desta lista, eu adianto que o volume 2 já está a todo vapor (se vocês me permitem o trocadilho). Eu não tenho muito para mostrar ainda, então vou deixar vocês com uma única palavra: LONDRES. :)


A entrega do 28º Troféu HQMIX acontece no próximo sábado, no Sesc Pompeia, em São Paulo, a partir das 19h. Então eu convido aos amigos paulistas a aparecerem no que nós, quadrinistas, chamamos de a grande festa do quadrinho brasileiro.

"Zé, tá tendo Bienal do Livro em SP no mesmo período! Não vai aparecer por lá?", você pode estar se perguntando. Vim num ritmo tão doido nesses dias que demorei a perceber que a cerimônia do troféu aconteceria no mesmo período da Bienal. Infelizmente não me organizei para conseguir estar lá também. Mas a Editora Draco vai estar participando FORTE do evento e, lógico, tem Steampunk Ladies e Quem Matou João Ninguém? no estande da editora.

Você pode deixar um comentário sobre esse texto também no meu Facebook, no post sobre ele.

Obrigado mesmo. E até sábado.

25 de jul. de 2016

Sobre a escrita (Lista do Zé #6)


Olá, olá!

Não passou nem um mês e estou aqui batendo na sua porta de novo, como um Jack Nicholson desesperado! Mas na verdade estou bem feliz hoje, que foi o que me trouxe a esta edição extra da lista.

Na semana passada saiu o resultado preliminar do Troféu HQMIX e tive a satisfação de saber que, pelo segundo ano consecutivo, estou indicado a categoria Novo Talento - Roteirista no principal prêmio de quadrinhos do país, desta vez pelo meu trabalho em Steampunk Ladies: Vingança a Vapor. Não bastasse isso, minha HQ ainda é finalista na categoria Colorista/Arte-finalista, pelo trabalho maravilhoso do piauiense Ellis Carlos nas cores. Eu precisava dividir isso com vocês.

A votação final (ou segundo turno) segue até o próximo dia 30, neste link (onde apenas votantes previamente cadastrados votam). O resultado deve sair já na semana que vem. Cruzem os dedos!

"Mas só isso?", "Você veio aqui só pra se autopromover hoje?", vocês devem estar se perguntando. Pra não ficar só nisso, resolvi compartilhar mais uma indicação, o último livro que li e provavelmente uma das melhores leituras que fiz na vida. Se escrever me trouxe mais uma vez aos indicados do HQMIX, vamos falar sobre com a ajuda de quem faz isso como ninguém.
(Ah, esse texto é uma cópia do que as pessoas que assinam a minha newsletter recebem. Quer receber por e-mail meus textos ao invés de ter que ficar voltando aqui? Basta colocar seu e-mail e seu nome nos campos no final deste texto e clicar em SUBSCRIBE!)

Sobre a escrita

Apesar de ter sido lançado em 2000 nos Estados Unidos, Sobre a escrita: A arte em memórias, do escritor Stephen King, demorou 15 anos para ter uma versão brasileira. Pra piorar, contrariando os vários elogios, só este ano subi o livro na minha pilha de leituras. Eu não sabia o que encontrar quando comecei a leitura deste "manual para escritores" de um dos autores que mais me influenciou (como vocês devem ter percebido no meu e-mail anterior).

Podemos dividir este livro em três partes. Na primeira parte, que o autor identifica como seu "currículo", vemos King contando sua história e os caminhos que o levaram a ser escritor, tudo da forma como ficou conhecido nos seus livros. A relação com a mãe e o irmão, os primeiros textos publicados e o duro caminho antes do seu primeiro grande sucesso são algumas das histórias contadas do jeito muito particular de Stephen King. Essa parte dá ao livro o tom de autobiografia pelo qual também é conhecido. Na segunda parte, o livro se torna um manual de fato. Mesmo dizendo que quer evitar criar regras, King fala sobre o seu processo nos mínimos detalhes. Numa guinada brusca de estilo e ritmo, nesta parte vemos um texto mais técnico. Se a primeira parte pode ser divertida para qualquer leitor, esta pode enfadar um pouco os não-escritores. Já para quem quer chegar onde King chegou, este pedaço é OURO PURO. Só é necessário compreender que o que King fala aqui se refere muito à sua realidade. Não dá pra levar tudo ao pé da letra, já que alguns tópicos não estão alinhados com a escrita em língua portuguesa ou com o mercado livreiro brasileiro (segure as pontas antes de sair cortando os advérbios dos seus textos ou procurar catálogos de agentes literários, como sugere King). E aí eu saio um pouco da resenha para dar uma sugestão. Com relação às dicas gramaticais, é melhor procurar manuais escritos por autores brasileiros. Sobre a parte de mercado, eu recomendaria sites como o Homo Literatus e o Viver de Escrita e podcasts como o Cabulosocast e Os 12 Trabalhos do Escritor, que exploram a profissão de escritor no Brasil no nível do livro do King. Voltamos à autobiografia na terceira parte, aqui já com um pouco de texto motivacional. Muito focado no acidente que o autor sofreu em 1999, acompanhamos a recuperação de King e como a escrita foi essencial neste processo. É o momento onde temos as dicas finais, entrecortadas por um relato detalhado de um dos momentos mais difíceis da vida do escritor.

Sobre a escrita é um trabalho de não-ficção de um dos reis da ficção e, vamos ser sinceros, podia ser uma bula de remédio ou uma intimação judicial: sendo escrita pelo King ainda assim valeria a pena a leitura. Curtinho, este é um livro pra se ler numa sentada num final de semana (ou, no meu caso, em algumas horas de uma viagem de trabalho). Para quem é fã do autor, um texto obrigatório. Para quem quer escrever, um apanhado de lições valiosas, algumas óbvias, outras nem tanto. E, se o rei falou, é bom escutar
* * *

Já leu Sobre a escrita? O que achou? Tem mais algum manual de escrita criativa para recomendar?

Ah, é sempre bom lembrar que estou colocando tudo que leio nos meus perfis no Skoob (me sigam também no meu perfil de autor) e Goodreads e o que assisto está indo pro Filmow. Cliquem nos links e me adicionem por lá. E, se já leu meus quadrinhos, não esqueça de deixar sua avaliação neles.

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Bem rapidinho


Fico por aqui hoje. Já está com os dedos cruzados?


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15 de jul. de 2016

Violência doméstica (Lista do Zé #5)

Olá, olá!

Vamos tentar uma coisa diferente hoje? Que tal um pequeno conto?

Escrito nos primeiros dias de 2013, Violência doméstica foi um conto que fiz para participar da coletânea The King (Editora Multifoco), que reuniu pequenas histórias de autores brasileiros inspiradas no trabalho do Stephen King. A ideia surgiu enquanto eu lia um conto do King chamado Parto em casa (publicado no Brasil no primeiro volume de Pesadelos e Paisagens Noturnas, livro de contos excelente que eu mais que recomendo). Você já deve ter lido um livro ou assistido um filme e em algum momento ter pensado: "e se a história fosse por este lado?". Foi daí que surgiu Violência doméstica. Outra curiosidade interessante é que escrevi a primeira versão deste conto praticamente em uma "sentada" só, no confortável teclado (#sqn) do meu iPad, deitado numa rede, num alpendre de um sítio na Serra da Meruoca. Então quaisquer indicações a este cenário não será mera coincidência.

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Violência doméstica, por Zé Wellington

Quando deu a notícia no jornal na TV, a apresentadora não evitava olhar torto para seu colega e marido do outro lado da bancada. Imaginava como estariam os trigêmeos em casa. "Estão por todo o planalto. O Ministério da Defesa ainda não se pronunciou, mas acredita-se que se trate de algum experimento descontrolado. Que Deus nos ajude. Boa noite". Encerrou categórica e sem conseguir evitar um soluço. Foi seguida de um boa-noite ainda menos animado do outro jornalista.

Em casa, Penha estremeceu. O dia que o pastor sempre falou havia chegado. Podia ficar tranquila tendo pagado o dízimo religiosamente em dia nos últimos meses? Deitou-se na velha rede e começou a rezar.

Pela internet, especialistas especulavam a origem da infecção. Os primeiros casos, rapidamente isolados na China e na Índia, eram praticamente iguais no restante do mundo. Rússia, Japão, um caso isolado – mas suficiente para infectar Berlim inteira – na Alemanha. A lógica apontava para um caso no Brasil nos próximos dias. No aniversário de um mês do primeiro morto-vivo um gari do Espírito Santo teve um enfarto e, dois segundos depois de cair morto, avançou no pescoço de uma mendiga, que, trinta segundos depois, deixou cair no chão o apetitoso sanduíche que tinha ganhado de um executivo e abocanhou seu bebê maltrapilho. Rapidamente as regiões sul e sudeste do país estavam dominadas, junto com Argentina, Uruguai e uma parte do Chile.

Penha tinha desistido de ir à igreja logo na primeira semana. Nenhum monstro tinha aparecido na sua cidade ainda. Sem monstros, sem mordidas. Sem mordidas, sem monstros. Simples assim. Com o exército barrando as entradas da cidade, aquele local parecia seguro. Foi quando ouviu que em alguns cemitérios os "velhos" mortos também estavam querendo levantar. Mandou Osmar Filho e Vera Lúcia para a casa de sua irmã. Sozinha em casa sentou-se na cadeira de balanço e se pôs a tricotar. Não ia demorar.

As maiores capitais do mundo estavam em quarentena. A ONU aconselhava que todos que morressem fossem cremados. Houve protesto de diversos grupos religiosos contrários a transformação dos defuntos em cinzas. Nos Estados Unidos duas igrejas pregavam a "autotransmortização" como um retorno aos primórdios e a inocência despida dos pecados capitalistas. Uma onda de suicídios se iniciou. Agora bastava morrer para se tornar um morto-vivo.

A porta do quintal gemeu e Penha se agitou. Desajeitada, pegou a única arma que dispunha a mão: uma velha vassoura de palha. Ficou tremendo atrás da porta esperando até o momento em que um gato preto entrou na sala. Respirou aliviada e pensou que deveria se preparar melhor para o que estava por vir. Com a infecção, as licenças para armas de fogo estavam dispensadas. Penha comprou um calibre trinta e oito, mesmo o vendedor oferecendo um modelo automático. Seu pai teve uma dessas e uma vez até deixou que ela atirasse num monte de garrafas. Penha precisava de algo familiar naquele momento.

Com as tevês interrompidas, as pequenas rádios AM locais eram a única forma de as pessoas ficarem atualizadas sobre a infestação. Eram cinco da manhã quando o repórter policial noticiou que um cientista indiano havia descoberto uma vacina a base de alho capaz de evitar a infecção. "Não vai trazer de volta seu parente, mas vai evitar o súbito apetite por miolos caso você seja mordiscado", disseram com palavras mais bonitas na coletiva de imprensa. Sem novas infecções, em um mês a população de zumbis tinha diminuído em sessenta por cento. Voluntários – em sua maioria caipiras das cidades interioranas sobreviventes – formaram o exército de espingardas que parou a proliferação dos desmortos. Em mais alguns dias tudo aquilo seria passado. Hollywood já tinha pelo menos três filmes engatilhados, sendo um deles o inusitado ponto de vista de um zumbi, estrelado por Bill Murray.

Depois que ouviu as boas novas no rádio, Penha parecia tranquila quando pisou no quintal de casa. Respirou devagar, deliciando-se com o cheiro das fezes do galo que criava no fundo da casa. Mal se virou para entrar quando uma mão brotou do terreno arenoso segurando seu calcanhar. Penha reagiu instintivamente chutando o membro, que parecia estar em estado avançado de decomposição. Correu para dentro de casa, mas antes de fechar a porta pôde observar aquele cadáver levantar-se desajeitado. "Ainda parece o mesmo bêbado de sempre", pensou. Empurrou a velha máquina de costura à frente da porta e correu até seu quarto, desenrolando o trinta e oito de um velho lenço, primeiro presente de namoro. Podia ouvir o som violento da porta do quintal sendo esmurrada. A última pancada parecia ter derrubado a velha Singer no chão. Penha se posicionou no corredor. Iria encará-lo de frente. O invasor caminhava devagar com a cabeça baixa, puxando uma perna. Penha tremia, mas mantinha-se com a arma apontada para o defunto, que interrompeu sua caminhada e olhou nos olhos da desesperada mulher. "Precisa engatinhá-la, meu bem", disse o desmorto com suas carcomidas cordas vocais. Penha deu um pulo para trás quando percebeu que ele podia falar. "Como estão os meninos? O Oscarzinho ainda tá dando trabalho pra professora?", prosseguiu o cadáver, que após essa última frase teve que puxar uma minhoca de dentro da boca. "Comparado a isso sua comida até que não é tão ruim", continuou tagarelando com aquele meio sorriso irônico que Penha tinha aprendido a odiar. O zumbi sentou-se na cadeira de balanço no corredor da casa. Parecia tranquilo e à vontade.

Pilhas de corpos eram queimadas em praças públicas sob muitas comemorações. Várias pessoas diziam ter voltado da “desmorte” na televisão. Uma mulher lutava na justiça para continuar casada com um morto-vivo. Dois chineses anunciaram fábricas de calçados movidas a trabalho zumbi. Podia ser o fim da mão-de-obra barata e do trabalho escravo nos países subdesenvolvidos.

“Eu devia saber que cada surra que te dei foi pouca”, continuava aquele desmorto na sala de Penha, “achei que tu sabia onde era teu lugar e olha o que tu fez comigo". Penha tentava respirar devagar e se concentrar quando alguém tocou a campainha. Era Tonico, vizinho da frente. Penha não queria abrir a porta e ter de explicar por que o cadáver de seu marido – que ela dizia ter saído de casa para comprar um maço de Derby e nunca mais tinha voltado – estava ali parado, balançando na cadeira. Permaneceu em silêncio e mal percebeu quando o zumbi levantou e a agarrou pelo pescoço. “Tu bota veneno na minha comida e acha que eu vou deixar por isso mesmo? Vou te dar uma surra que você nunca mais vai esqu--", antes que o zumbi pudesse terminar de falar, Penha enfiou o cano do revolver em seu olho putrefato. Atordoado, o morto-vivo cambaleou até a porta do quintal, onde Penha o acertou com sua panela de pressão, forçando-o a sair da casa. Ficou tentada a terminar o serviço com o trinta e oito, mas o barulho podia chamar a atenção do vizinho. Pegou a garrafa de álcool embaixo da pia da cozinha e despejou sobre o marido. Antes de acender o fósforo, Penha contemplou o desmorto por alguns segundos. Ele parecia incomodado com a ardência do combustível. O zumbi queimou durante pelo menos quinze minutos.

Discursos decorados por cientistas condecorados se tornaram um clichê na televisão. Por um instante todas as guerras foram esquecidas e as diferenças entre raças e religiões pareciam nunca ter existido. O mundo parecia ter mais paz do que antes. As famílias mais unidas. Enquanto isso Penha chorava enquanto varria as cinzas no alpendre do seu quintal.
* * *
Bom, é isso. Agrada a vocês a ideia de vez ou outra eu colocar um conto (ou uma história em quadrinhos, quem sabe) aqui? Responde este e-mail e me diz o que achou.

Ah, é sempre bom lembrar que estou colocando tudo que leio nos meus perfis no Skoob (me sigam também no meu perfil de autor) e Goodreads e o que assisto está indo pro Filmow. Cliquem nos links e me adicionem por lá. E, se já leu meus quadrinhos, não esqueça de deixar sua avaliação neles.

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Bem rapidinho

  • Lembra que eu falei d'Os 12 Trabalhos do Escritor, podcast do escritor AJ Oliveira? Os episódios continuam fantásticos e a recomendação permanece para aqueles que pretendem se aventurar em escrever. E para motivar ainda mais os ouvintes, ofereci um exemplar de Quem Matou João Ninguém? e outro de Steampunk Ladies: Vingança a Vapor, com dedicatória e autógrafo, para sorteio. Clique aqui para saber como participar.
  • Ainda falando de podcasts, gravei mais um episódio com os companheiros de pena PJ Brandão e Luis Carlos Sousa, desta vez sobre personagens e com a participação especialíssima da Marcela Godoy, roteirista da última Graphic MSP, Papa-Capim: Noite Branca. Um papo de alto nível que você pode escutar clicando aqui.
  • Termina hoje a votação do Troféu HQMIX! Se você é votante do prêmio basta acessar este link (acessível só pra quem se cadastrou antecipadamente). E se por um acaso você leu e gostou de Steampunk Ladies, vale lembrar que estamos concorrendo em algumas categorias: Novo Talento - Desenhista (Di Amorim e Wilton Santos), Novo Talento - Roteirista (Zé Wellington), Colorista (Ellis Carlos), Edição Especial Nacional (Steampunk Ladies) e Projeto Editorial (Steampunk Ladies).
Por hoje só. Até a próxima e cuidado com mortos enterrados no quintal!


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