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31 de ago. de 2022

Publicando livros e quadrinhos online (Lista do Zé #39)

 

Imagem de Splendor Blues, webtoon que coroterizei
Imagem de Splendor Blues, webtoon que coroterizei.

É raro encontrar por aí algum autor de primeira viagem que não sonhe em ter em suas mãos seu primeiro livro ou quadrinho impresso. Eu lembro do cheiro do meu primeiro fanzine (aquele cheiro de xerox barata de faculdade) e também do peso satisfatório do primeiro exemplar de Quem Matou João Ninguém?, meu primeiro álbum publicado. Mas pode ser que você seja de uma geração diferente da minha e, no fim das contas, só queira mesmo ser lido, sem ter que derrubar umas árvores pra isso. Então vamos falar de publicação digital.

A publicação digital não é mais uma coisa do futuro, é um mercado que já pulsa forte já há algum tempo. No lado da literatura, a coisa já tá muito avançada e vender ebooks na Amazon é um caminho muito bem estabelecido e explorado por autores e editoras. Eu tenho, sim, meu receios com a toda poderosa livraria online, mas não posso negar que ela criou um ecossistema fértil para autores que queiram se autopublicar. Através de um sistema próprio qualquer escritor pode disponibilizar seu livro e estabelecer um preço (do qual a Amazon vai ficar um percentual). O sistema não substitui as imprescindíveis funções do editor, diagramador e etc., mas quebra um galho danado se você não tem grana pra essas coisas. Além disso, a plataforma é uma rede social e, conforme recebe avaliações, seu livro é indicado pra outros leitores e pode crescer muito organicamente. Foi isso que aconteceu com meu ebook Mata-mata, que, sem grana para divulgação (mas com um grande esforço meu e da Editora Draco), ficou meses entre os contos mais lidos da plataforma. Chegamos a muita gente como você pode ver pelas avaliações e comentários sobre ele na Amazon.

Mas você pode querer ainda mais interação social, então a indicação são redes sociais para escritores, como o Wattpad. Você cria o seu perfil e pode publicar seus textos, curtos ou longos, e receber comentários de outros usuários da plataforma. Se procurar na internet, você vai encontrar histórias de autores conhecidos que começaram a conquistar seus primeiros leitores (e contratos com editoras grandes) por lá.

E nos quadrinhos? A Amazon também oferece suporte para publicar HQs, que inclusive podem ser lidas pelo seu popular dispositivo Kindle. No entanto, a experiência para o leitor ainda fica a anos luz da versão impressa. Se para literatura há um sem fim de comodidades para o leitor (você pode mudar a fonte, consultar dicionários, marcar trechos do livro etc.), para o leitor de quadrinhos resta a frustração das versões mais baratas do Kindle não terem cores e ainda a péssima experiência com imagens.

Para quadrinhos online, outras plataformas tem apresentado soluções mais interessantes, como o Tapas e o Webtoon. Ambas oferecem a possibilidade de você publicar quadrinhos online, com uma série de recursos interessantes para o leitor.

Aqui cabe um parêntese, onde precisamos separar quadrinhos feitos para serem impressos e que são adaptados para serem lidos de forma digital e quadrinhos criados especialmente para o meio digital. O Tapas oferece uma experiência muito legal se você já fez o quadrinho para ser impresso e pretende só criar uma versão digital (ou se vai publicar digital, mas pensa em imprimir em algum momento). Já o Webtoon aperfeiçoou o que nos primórdios da internet a gente chamava de webcomics, ou seja, quadrinhos que se aproveitam do digital para fornecer experiências que não são possíveis em papel. O grande desafio, nesse caso, é pensar a HQ, desde o começo, como um produto para Webtoon, o que inclui coisas como esquecer a dinâmica tradicional das páginas: você vai trabalhar quase quadro a quadro, podendo ainda usar o “rolar” da página para oferecer experiências de leitura para o leitor. É possível adicionar movimento com GIFs e até sons. Tudo isso fez esta plataforma, criada na Coreia do Sul, crescer de forma brutal. Hoje inclusive o Webtoon já apresenta ferramentas onde você pode ser remunerado pelos fãs do seu trabalho através da plataforma (numa integração com o Patreon). Mas tem um ponto negativo: dificilmente sua HQ feita para usar os recursos do Webtoon funcionará da mesma forma impressa. Acrescente aí que o público do Webtoon é diferente do público tradicional de quadrinhos. Estamos falando de leitores jovens, com maior disposição para o estilo oriental de fazer quadrinhos (mangás e manhwas).

Aí eu deixo uma dica para quem quer experimentar o Webtoon: a plataforma tem uma série de tutoriais para você construir sua HQ aproveitando o que há de melhor nela. Mas como está tudo em inglês lá, eu recomendo mesmo é esse guia maravilhoso que Ale Presser fez com um monte de informações pra quem quer publicar no Webtoon.

Então na hora de escolher como vai disponibilizar seu livro ou quadrinho de forma digital, é preciso pensar primeiro qual seu objetivo. Quer vender? Talvez a Amazon e o Webtoon sejam os melhores caminhos para quem quer um retorno financeiro. Quer divulgar meu trabalho, criar um público e receber feedback? Então dê uma boa pesquisada no funcionamento do Wattpad e do Tapas.

O importante é não deixar de contar suas histórias.

 

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30 de jun. de 2022

Quem é Arsène Lupin? (Lista do Zé #38)

 


Uma das coisas mais divertidas que assisti nos últimos tempos foi Lupin, série da Netflix inspirada num famoso personagem da literatura francesa. Agora vocês imaginam a minha alegria quando, pouco depois de ver a primeira temporada, fui convidado para um trampo para adaptar o livro original para quadrinhos? Foi uma delícia me debruçar sobre o personagem e hoje eu queria contar um pouquinho para vocês sobre isso. O texto abaixo é uma versão resumida (bem resumida mesmo) da proposta que a editora pediu antes que eu iniciasse o roteiro. Vamos tentar desvendar quem é Arsène Lupin?

Arsène Lupin, o ladrão de casaca foi o romance que reuniu as primeiras aventuras (em nove contos) de Arsène Lupin, famoso ladrão ficcional francês. No sentido de adaptar o máximo possível da obra original, costuramos os nove contos em uma história só na nossa história em quadrinhos. Dentro dessa estrutura, cinco contos compõe o esqueleto da obra: a tríade da prisão de Lupin (“A prisão de Arsène Lupin”, “Arsène Lupin na prisão” e “A fuga de Arsène Lupin”), que apresentam uma continuidade entre si; “O colar da rainha”, um conto de origem; e “Herlock Sholmes chega tarde demais”, que não só narra o encontro de Lupin com uma versão do detetive inglês, como também dá certa continuidade a tríade da prisão. As outras quatro histórias são contadas por Lupin, com mais ou menos detalhes, ao seu maior perseguidor, o inspetor Ganimard, em dois momentos da trama.

A maior parte das aventuras de Lupin coincide com a Belle Époque francesa, que durou de 1871 a 1914. No primeiro livro, a maioria das histórias acontece nos primeiros anos do século XX, exceto “O colar da Rainha'', que se passa no final do século XIX. A Belle Époque foi um período de grande otimismo e paz desfrutado pelas potências ocidentais, sobretudo as europeias, até o início da I Guerra Mundial. O ponto marcante desta época foi o estilo de vida boêmio e otimista, com destaque para a França, que se tornou o centro global de toda influência educacional, científica, médica e artística. A nação francesa era um polo difusor e Paris era o núcleo da Belle Époque mundial. Nas histórias de Lupin você percebe isso: há um uso sem moderação do autor de carros, máquinas fotográficas e outros itens extremamente modernos para a época. Vale destacar, enquanto movimento artístico da Belle Époque, o estilo “Art Nouveau”, um fazer ornamental de cores vibrantes e formas sinuosas, presente desde as fachadas dos edifícios até nos objetos decorativos, como joias (que aparecem bastante na história) e mobiliários. Todos esses elementos foram levados em consideração tanto na arte quanto na história da nossa adaptação para quadrinhos. Esse caldeirão de influências traz um tom leve e cheio de ironia para as histórias de Lupin, o que nos fez pensar que também deveríamos seguir essa proposta.

Mas quem é Arsène Lupin? Se na maioria das adaptações de Lupin se conhece de cara o rosto por trás do ladrão, o autor do personagem, Maurice Leblanc, através dos diálogos de seus personagens, sempre o viu como um camaleão:

“Arsène Lupin, o homem de mil disfarces, chofer, tenor, bicheiro, filho de família, adolescente, ancião, caixeiro-viajante marselhês, médico russo, toureiro espanhol!”

“Seu retrato? Como poderia fazê-lo? Vinte vezes vi Arsène Lupin e vinte vezes foi um ser diferente que me apareceu; ou antes, o mesmo ser de que vinte espelhos me teriam dado outras tantas imagens deformadas, cada uma com olhos diferentes, uma forma de rosto, um gesto, um vulto, um caráter próprio.”

Lupin, por sinal, é um nome inventado e não de nascença. A melhor pista para o verdadeiro nome do personagem está no conto “O colar da rainha” (mas não vou dar spoilers aqui...). É difícil até saber se todos os crimes atribuídos ao ladrão foram cometidos por ele mesmo... O ladrão se torna famoso e vira um queridinho da imprensa, que atribui todo crime não solucionado ao nosso ladrão. Claro que Lupin, em algumas histórias, chega a usar isso para manipular a imprensa e população a seu favor. Assim, para essa adaptação, definimos que Lupin era quase um fantasma, uma figura alegórica do imaginário parisiense. E ele ama isso, como ele mesmo diz:

“Tanto melhor que não possam nunca dizer com certeza: ‘Eis aqui Arsène Lupin’. O essencial é que digam sem medo de errar: ‘Arsène Lupin fez isso’.”

“Por que (...) hei de ter uma aparência definida? Por que não evitar o perigo de uma personalidade sempre igual? Meus atos já me revelam bastante. (...)”

Mais do que utilizar disfarces, Lupin assume IDENTIDADES diferentes. E ele é capaz de tudo para se passar por outra pessoa, inclusive elaboradas alterações corporais, enxertando produtos químicos em si mesmo ou ficando em uma posição por bastante tempo para mudar sua postura. E o que esse tipo de coisa fazia com a cabeça do personagem? Suas próprias falas denunciam que ele tem dificuldade de lidar com sua própria identidade e com as implicações psicológicas de uma vida sem rosto definido:

“Eu mesmo (...) não sei mais quem sou. Num espelho, não me reconheceria.”

“Está muito bem (...) mudar de personalidade como de camisa e escolher sua aparência, sua voz, seu olhar, sua letra. Mas acontece que a gente acaba não se reconhecendo mais no meio disso tudo, e isso é triste. Sinto atualmente o que devia sentir o homem que perdeu a sua sombra. Vou me procurar... e me encontrar.”

Por isso mesmo, em nossa história em quadrinhos, nos pareceu incorreto dar um rosto único a Arsène Lupin, já que trairíamos um dos principais conceitos do escritor Maurice Leblanc. Por sinal, isso é uma das coisas mais interessantes da leitura dessas histórias: muitas vezes demoramos a saber quem é ou onde está Lupin. Em alguns contos Lupin se revela no início, às vezes como narrador. Em outras vezes o conto é inteiro narrado por ele e só sabemos no final. Às vezes o narrador fala sobre um amigo próximo e descobrimos no desfecho que se tratava de Lupin. Isso faz da leitura do romance original uma coisa deliciosa, algo que tentamos levar para esse novo produto, fiel ao original, mas que soa como algo completamente novo, mesmo para os já iniciados no personagem.

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29 de mai. de 2022

Publicando seu livro ou quadrinho com financiamento coletivo (Lista do Zé #37)

 


Faltava nos meus textos um que falasse de financiamento coletivo. O motivo era que… eu nunca tinha participado de um. Mas o dia chegou e, no final do ano passado, disponibilizamos no Catarse uma campanha para financiar meus dois últimos livros. Vou te contar um pouco sobre como isso funciona.

Começando do básico: numa campanha de financiamento coletivo (em inglês, crowdfunding), você usa uma plataforma na internet para pedir AJUDA para financiar um projeto. Estamos falando de livros e quadrinhos aqui, mas se pode financiar absolutamente qualquer coisa (empresas, máquinas, startups, eventos, campanhas de caridade, CDs de bandas etc.). O princípio é fazer algo acontecer com a ajuda do público. O realizador só precisa ir ao site e informar quanto precisa, montar uma campanha atrativa e sair divulgando por aí. Esse texto é um resumo e foca nas campanhas do tipo “tudo ou nada”, onde você tem um prazo para arrecadar um montante em dinheiro de apoiadores e só recebe se alcançar uma meta. Recomendo conhecer as outras modalidades existentes, pode ser que outra atenda melhor a sua necessidade, ok?

Primeiro: preciso do livro pronto antes de montar a campanha? O ideal é que SIM. Quando sua campanha for ao ar, serão até 60 dias de muito trabalho de divulgação e depois toda uma logística de fechar o livro e enviá-lo aos apoiadores. Acrescentar nesse samba o final da escrita pode deixar o processo mais puxado do que ele já é e comprometer a qualidade do seu livro ou HQ. Não entre nessa! Termine seu original e leia o texto que escrevi falando sobre todas as formas de publicar o seu livro antes de tentar o financiamento coletivo.

Mas se você decidiu tentar essa forma de publicação, vamos entender primeiro as recompensas. Normalmente quem apoia uma campanha de financiamento coletivo recebe algo em troca. Existem níveis para essas recompensas, definidos pelo próprio realizador. No caso de um livro ou HQ, você pode começar, por exemplo, com um agradecimento no livro para quem apoiar com X reais, o livro físico para quem apoiar com Y reais, o livro físico junto com uma camisa para quem apoiar com Z reais e todas as recompensas anteriores mais um jantar com o escritor para quem apoiar com tantos reais. Preste atenção neste caso e vai perceber que, conforme acrescenta coisas além do seu livro físico nas recompensas, precisará também lembrar delas no orçamento final do projeto. Aí é que tá: uma campanha de financiamento coletivo começa com muito planejamento, porque é você quem define quanto quer pedir de apoio. Então vão ser necessárias muitas CONTAS. Felizmente as plataformas mais conhecidas do mercado oferecem apoio nesse momento, com planilhas pré-prontas e consultores para tirar dúvidas. Use e abuse disso.

Na fase de planejamento, você define um dia para a campanha começar e um prazo para ela acontecer. O tempo normal das campanhas é entre 40 e 60 dias, mas isso é flexível na maioria das plataformas. Menos tempo que isso pode ser insuficiente para arrecadar o que é necessário e mais tempo pode tirar um pouco o senso de urgência que é necessário para seus apoiadores investirem seu rico dinheirinho em você. Uma dica sobre esse momento é escolher um período tranquilo da sua vida para iniciar a campanha. Você vai trabalhar muito e se dedicar intensamente nesse período, melhor estar focado nisso.

Com a campanha no ar, agora é divulgar por aí. Essa talvez seja a etapa mais difícil. Quem já lançou um livro sabe a dificuldade que é conseguir espaço para falar sobre ele e vendê-lo, agora imagina fazer isso sem ter o produto pronto? Falando da minha experiência, durante o tempo da campanha me comprometi a produzir conteúdos para as minhas redes sociais diariamente (algo que cada vez menos tenho ânimo). Mas o que trouxe mais resultado foi o contato INDIVIDUAL com cada seguidor. Diariamente eu usava as mensagens diretas do Instagram ou o Messenger do Facebook para enviar mensagens para amigos. Cansou (e exigiu um certo nível de cara-de-pau a qual eu não estou acostumado), mas deu muito resultado.

Depois do final do prazo da campanha, se ela foi bem sucedida, é hora de cumprir suas promessas, afinal é isso que as recompensas da campanha representam para o apoiador. A plataforma vai lhe mandar uma relação completa dos apoiadores com as recompensas escolhidas. Você vai arrumar pacotes e dar conta do envio de todos, incluindo possíveis extravios. O que alguns colegas do meio têm recomendado é colocar no orçamento do projeto um valor para contratar pessoas para ajudar nessa etapa. Organizar recompensa por recompensa, fazer pacotes e postá-los é mais trabalhoso do que parece.

Outra coisa essencial durante toda a campanha, mas ainda mais importante depois dela, é a comunicação. Todos os apoiadores são adicionados numa lista de e-mail pela plataforma e você consegue estar em contato direto com eles o tempo todo, atualizando, por exemplo, sobre o andamento das entregas de recompensas. Pelo grupos de WhatsApp que participo há sempre conversas sobre essa etapa, sobre como alguns projetos atrasam o seu andamento por diversos motivos e seus realizadores nem ao menos avisam aos apoiadores sobre o que está acontecendo. E, sim, projetos atrasados em ANOS são mais comuns do que deveriam ser. Atrasar é comum e esperado, especialmente se a campanha é de um autor independente, só tente ser transparente com seus apoiadores a respeito e mantenha-os informados sobre tudo.

Tive a tremenda sorte de ter a Editora Draco como parceira na minha campanha e boa parte dessas etapas foi administrada por eles, que já tem quase 40 campanhas financiadas nessa modalidade. Quando a campanha começou, pude contar com minha própria base de fãs e ainda a base de apoiadores regulares da editora. Eu falo isso para fechar esse texto com uma das questões mais importantes do financiamento coletivo: é preciso ter muitos fãs/seguidores para ter sucesso na campanha? A resposta é não, mas não ter uma base de fãs vai deixar tudo um pouco mais desafiador. A maioria das plataformas de crowdfunding funciona como redes sociais, ou seja, há pessoas circulando por esses sites procurando projetos interessantes para apoiar. Isso ajuda o autor iniciante, mas pode não ser suficiente. Se você está indo para esse tipo de plataforma lançar seu primeiro livro prepare-se para trabalhar muito na fase de captação de apoiadores. As emoções serão intensas.

Por fim, entre em projetos bem sucedidos que parecem com o seu e estude-os. Qual o valor total que eles buscavam? Quantos apoiadores tiveram? Quais recompensas ofereceram e quanto cobraram por elas? Como eles apresentaram o projeto na plataforma? Anote as respostas e mãos à obra no planejamento.

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E tem promoção no combo, com direito a dedicatória e brinde. Aproveite:


 

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