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13 de fev. de 2020

Roteirista de quadrinhos no Brasil? (Lista do Zé #28)



Olá, olá!

Ano passado completei 15 anos nesta vida de histórias em quadrinhos, mais especificamente como roteirista. Nos últimos tempos tenho recebido diversas dúvidas de outros colegas iniciando nesta atividade e pensei que poderia ser legal escrever sobre esses anseios. É bom destacar que, mesmo debutante na atividade, ainda estou aprendendo sobre ela e sobre o mercado, então as 7 perguntas que eu respondi abaixo são mais relacionadas à minha visão como roteirista.

Mas, primeiro

Preciso da sua ajuda para colocar no mundo uma inédita edição impressa de “Mata-mata”, ebook que lancei no final do ano passado. Essa versão inclui uma nova revisão do material lançado online e ainda uma série de contos, cordéis e ilustrações que contam o ANTES e o DEPOIS da história original. Sim, é a hora de entender melhor a família Tainha, se embrenhar nos confrontos entre irmãos no evento Mata-mata e saber o que aconteceu com os personagens principais depois do trágico fim do ebook.

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x x x
Tem que ser meio DOIDO para encarar uma carreira de roteirista de quadrinhos no Brasil (ou amar quadrinhos e não ter disposição para aprender a desenhar). Tem, sim, um montão de gente no país fazendo roteiro para HQ (e muito bem), mas as funções ligadas a desenho são bem mais populares. Saber desenhar realmente é uma mão na roda para contar histórias em forma de quadrinhos, ao mesmo tempo que não dispor dessa habilidade vai dificultar um pouquinho (mas não tornar impossível) a vida do pretenso quadrinista.

Escrevi meus primeiros textos ainda na adolescência. Os quadrinhos entraram na minha vida bem depois da literatura (que ainda é presente na minha vida, mas com muito menos intensidade). Minhas primeiras tentativas de fazer quadrinho vieram durante a explosão dos animes no Brasil, lá quando Os Cavaleiros do Zodíaco chegaram por aqui. Foi quando descobri também que é necessária muita dedicação para ser um bom desenhista. Mas, já na adolescência, eu era um multifazedor-de-coisas e vi que não dava para aprender a desenhar, aprender a tocar violão, organizar eventos, passar no vestibular etc. ao mesmo tempo. Durante um curso de cinema me dei conta que os roteiros poderiam ser um melhor caminho para mim. E assim vem sendo.

Separei abaixo algumas das principais perguntas que recebo sobre esta função. Elas podem ser um guia para as pessoas que pretendem se jogar nesta maluquice.

1. Um roteirista é aquele cara que faz as letrinhas das histórias?
Por mais boba que essa pergunta possa parecer, eu me sinto na obrigação de começar por ela. Quem faz as letrinhas nos quadrinhos é um profissional importantíssimo chamado letrista (nos meus últimos quadrinhos, tive o privilégio de contar com o incrível Deyvison Manes na função). Para letreirizar a HQ, o letrista utiliza o roteiro, essa, sim, a peça fundamental do trabalho do roteirista. O roteiro é um documento que guia a criação das histórias em quadrinhos. Não existe um formato pré-definido para ele, pesquisando pela internet você vai encontrar modelos diferentes. Embora a maioria dos roteiristas escreva um texto descrevendo o que quer que seja desenhado, há colegas que desenham seus roteiros, como se fosse um esboço da história em quadrinhos (é assim que são feitos os roteiros da Turma da Mônica). Coloquei um trechinho do roteiro de Cangaço Overdrive neste link, para quem tiver curiosidade em ver como são os meus. Ah, embora não seja função do roteirista letreirizar sua HQ, é bem interessante ele ter noções sobre esta função (dica para a vida).

2. Como consigo pessoas para desenhar meus roteiros?
Essa é a pergunta que mais recebo no inbox do meu Instagram. Para um roteirista iniciante, é um desafio absurdo convencer um bom desenhista a desenvolver seus primeiros roteiros. As sugestões que eu daria seriam as seguintes: A) comece com roteiros de histórias curtas (entre 4 e 12 páginas) e B) tente juntar outras pessoas que querem fazer quadrinhos e proponha trabalhos coletivos. Sobre a letra A, leve em consideração que desenhar quadrinhos é uma coisa demorada e que pode levar tempo. Histórias curtas aumentam as chances de um desenhista se interessar e de aquele seu roteiro realmente ser desenhado até o final. Sobre a B, vou contar um segredinho para vocês.... Quando me dei conta que queria ser roteirista, me vi sob essa problemática. Minha primeira ação foi criar um grupo de estudo na minha cidade, o que atraiu vários quadrinistas (a maioria desenhistas). Criamos um fanzine chamado Gattai Zine, onde publicávamos trabalhos curtinhos, misturando as pessoas do grupo. Bum! Dois coelhos com uma cajadada só. Se mesmo assim tiver dificuldades, talvez seja melhor se matricular em aulas de desenho... ou botar a cabeça para funcionar e pensar em alternativas, como fez o Marcelo Saravá no incrível 1000 Palavras, coletânea de tirinhas apenas com textos (conheça aqui). Ah, mesmo já tendo algum reconhecimento, até hoje ainda é um desafio para mim encontrar parceiros. Tanto que nos meus últimos quadrinhos eu busquei apoio de editais para conseguir pagar todos os envolvidos (falei sobre isso neste texto).

3. Você vive disso?
Hoje sim, mas não apenas disso. Tenho outras duas profissões (sou professor universitário e consultor na área de marketing). Vale dizer que nos primeiros 10 anos como roteirista/quadrinista EU MAIS GASTEI DO QUE GANHEI ALGUMA COISA. Lembro que 50% da cota dos meus exemplares de Quem Matou João Ninguém? (que lancei em 2014) enviei para a imprensa e influenciadores do meio. Felizmente, naquela época eu podia fazer isso (hoje já não tenho como). Como qualquer profissão ligada à arte, é preciso tempo e muito trabalho para estabelecer uma carreira. E, vale dizer, dentro das minhas receitas como roteirista, talvez uns 30% sejam com venda de quadrinhos. Os outros 70% vêm de participações em eventos, palestras, cursos e serviços relacionados. Conversando com outras pessoas no meio, percebi que isso é meio que bem comum.

4. Roteirista de HQ no interior do Ceará... Como é isso?
Difícil pra caralho. Nem queira saber. E olha que tenho um monte de privilégios como o homem branco que sou (nem consigo imaginar como é para quem não tem). Eu entendo (mas fico triste com) o monte de gente que desiste no meio do caminho ou acaba debandando para outras áreas, como cinema e literatura.

5. Indica livros?
Infelizmente tem pouca coisa impressa especificamente sobre roteiro para quadrinhos. Tem um material que a Opera Graphica lançou no Brasil (e que é difícil de encontrar hoje) chamado Guia Oficial DC Comics – Roteiros, escrito pelo grande Dennis O’Neil, que é um dos mais completos que já li. O primeiro material que tive acesso foi um e-book do Gian Danton, que é bem simples, mas me ajudou bastante (não é à toa que convidei o Gian para o prefácio de Quem Matou João Ninguém?). Tem alguma coisa sobre roteiro nos ótimos livros do Scott Mccloud, sendo o Desenhando Quadrinhos o meu favorito: o nome em português pode enganar (no original é Making Comics), mas ele trata de todas as etapas do processo. Tenho lido materiais de outras linguagens, que também ajudam bastante. Um dos livros que mais estudo e consulto é o Story, do Robert McKee (que é voltado para o roteiro de cinema). Tenho aqui, lá no fundo do meu coração, alimentado a ideia de escrever um pequeno manual... Quem sabe?

6. Pode ler meu roteiro e dar uma opinião?
Taí uma coisa que me perguntam muito... Fico lisonjeado quando alguém me pede uma opinião sobre algo que escreveu. Mas fazer isso é uma questão muito complexa. Primeiro, ler um texto ainda não publicado gera um certo comprometimento com aquela ideia original. Se futuramente alguma história minha apresentar algum elemento similar ao conceito que o colega me enviou, ele pode entender que eu o estou plagiando. Segundo, alguém pode ficar surpreso com isso, mas LER ROTEIROS LEVA TEMPO. Tem gente que fica até chateado quando eu digo isso, mas é importante frisar que há quem preste este tipo de serviço, conhecido como revisão crítica, e dá um trabalho danado. E, mesmo que não desse, nesta minha vida de pai do Chris, com três empregos, é muito complicado conseguir arrumar tempo para algo assim. Nem mesmo quando me pedem como serviço pago eu costumo atender. Só faço isso em situações muito especiais. Então, quando fizer este pedido para algum roteirista ou escritor, entenda se ele lhe der um respeitoso "não". Se precisar deste tipo de serviço, recomendo essa relação de prestadores levantada pelo Rodrigo Van Kampen.

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