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15 de mai. de 2024

Resenha: X-Men'97 e o Zeitgeist das histórias (lista do Zé #44)

 

Magneto estava certo.

Que era para os fãs de animação… Depois de Arcane, Samurai de Olhos Azuis (que eu falei a respeito por aqui), Planeta dos abutres etc, outra bomba cai no mundo da televisão (nem sei se ainda podemos chamar assim): X-Men’97. Sim, amigos, eu vou falar sobre HOMINHOS hoje! Mesmo que não goste deles, fica comigo, você não vai se arrepender.

Como muitos, conheci os X-Men com a exibição irregular do desenho animado de 1992 na Rede Globo, em algum ponto perdido dos anos 1990. É indiscutível o quanto esse desenho animado contribuiu para a popularidade dos mutantes da Marvel nesse período, gerando fãs apaixonados. Essa versão dos alunos do professor Xavier ficou tão forte na minha memória, que tentei rever os episódios quando adulto… Apenas para descobrir o quanto limitados eles eram, do roteiro à animação em si. Outras versões memoráveis dos X-Men chegaram à telinha logo depois, das quais lembro com muito carinho de X-Men: Evolution (assistido no SBT). Ainda que tivesse mais qualidade (até mesmo por ser fruto de uma época posterior), esta última animação gerou um ranço instantâneo dos fãs, que queriam a continuação da versão anterior dos alunos do Professor Xavier. Dito isso, confesso que não me empolguei tanto com o anúncio de X-Men’97, já que a promessa de dar continuidade ao desenho original do início dos anos 1990 me soava apenas como um caça-níqueis.

Afinal, com a indústria do entretenimento em crise, onde são sempre as apostas? É claro que serão onde existem fãs ardorosos. Já percebeu quantos reboots e remakes foram anunciados nos últimos tempos? X-Men’97 não precisava de muito para atiçar, no mínimo, a curiosidade dos saudosistas. Mas, felizmente, os produtores da nova série queriam bem mais.

Primeiramente, eu não considero essa nova animação uma continuação. Estamos falando de uma NOVA produção, que toma emprestado o visual da anterior e continua a história do ponto de onde ela parou. O que faz com que eu defenda esse ponto não é o fato de termos aqui uma animação mais apurada tecnicamente, com mais movimento e recursos em computação gráfica. A maior mudança vista em X-Men’97 com relação ao desenho animado clássico foi no modo de contar a história. Se hoje os fãs de animação se regozijam com tantas boas opções de animações voltadas para o público adulto, 30 anos atrás, salvo raras exceções, desenho animado era coisa de criança para boa parte das pessoas. Incluindo a própria indústria de animação. Um exemplo engraçado está na clássica abertura da animação original, onde um personagem foi inserido erroneamente no time de Magneto.

Tem uma lição muito legal aí também para os roteiristas, no sentido de entender quem é o seu público na hora de contar uma história. Eu falo isso mais no sentido de entender o MOMENTO em que o mundo vive. Os roteiristas dessa nova versão de X-Men provavelmente ponderaram sobre o tom da história e chegaram à sábia conclusão de que manter as coisas no tom inocente do original dos anos 1990 ia mais afastar do que trazer um novo público. Embora seja uma história de ação fortemente inspirada no mundo de 30 anos atrás, com ação desenfreada, ex machina a rodo e dezenas de reviravoltas por minuto, conceitualmente X-Men’97 está mais próxima das animações que eu cito no início desse texto do que do desenho original.

Como história, a nova versão leva os personagens a caminhos políticos surpreendentes. “Magneto was right” é a grande frase do desenho animado e deve ilustrar muitos prints e camisetas em eventos nerds neste ano. São muitas as análises de como as HQs dos X-Men foram evoluindo desde sua criação nos anos 1960 e refletindo a questão racial nos Estados Unidos, especialmente os pontos de vista de Martin Luther King (professor Xavier) e Malcolm X (Magneto). Eu não sou um grande leitor de X-Men, mas não lembro se em alguma vez nas HQs se defendeu tanto o ponto de vista combativo. Em seu último episódio, o professor Xavier e Magneto sacramentam esse caminho numa emblemática frase sobre sonhos.

Mais do que o mundo da animação, o novo desenho animado dos X-Men talvez sinalize um novo momento no modo de contar “histórias de hominhos”, esse codinome pejorativo que surgiu para classificar, principalmente, filmes de super-heróis, em tempos de em que estamos encharcados deles (algo completamemte diferente de quando a versão original dessa animação surgiu na tevê).

No penúltimo episódio de X-Men’97, 24 anos depois, os roteiristas respondem a provocação ao já famoso diálogo sobre as roupas collants do primeiro filme da Fox. O visual colorido parece soar bem melhor agora do que o couro preto mesmo. Veja bem, dá para colocar o filme de Byan Singer como um dos marcos na transformação dos super-heróis no cinema, que afetou, principalmente, os filmes da editora rival da Marvel, a DC. Embora quem acompanhe histórias em quadrinhos saiba que isso começou lá nos anos 1970, o tom sombrio virou tendência no mundo dos heróis de verdade com as versões snyderianas de Superman, Batman e cia. E agora tudo isso é questionado, como quando a primeira imagem do novo Superman foi divulgada e a reclamação geral foi que ainda estava sombrio demais. O fato é que os grandes estúdios vão na única direção para qual eles sabem remar: a da grana. Hoje pela manhã eu li que em 1º de agosto o Prime Video mexerá novamente com as memórias afetivas dos noventistas, colocando Bruce Timm para trabalhar novamente com Batman no que parece ser um revival da clássica Batman: The Animated Series (indústria em crise, né?), num projeto que havia sido cancelado tempos atrás.

O fato é que esta nova animação dos mutantes aponta novos rumos para as adaptações das grandes marcas da Marvel, no caso grandes marcas da Disney, dona da editora. Como aponta um crítico da Forbes, essa animação talvez seja a melhor coisa que a Disney fez com personagens da Marvel nos últimos anos, especialmente enquanto se reorganiza depois de uma série de produções medianas e com resultado abaixo do esperado de público.

Eu só desejo que X-Men’97 seja a consolidação do poder das boas histórias.