Hoje eu me peguei pensando que uma boa forma de me conhecer como artista
seria entrevistando minha esposa. Vez por outra me perguntam sobre
minha rotina e sobre produtividade (uma FARSA que será tema de um do
texto meu muito em breve) e conversando com ela nesses dias percebi que é
impossível ter uma rotina bonitinha com a vida profissional a que me
propus. Se um entrevistador chegasse para a dona Lara com a proposta de
perguntar sobre o dia a dia do marido dela, ela provavelmente diria que
fica tonta só pensar no meu cérebro organizando, o tempo todo, minhas
pendências de trabalho. Na profissão de escritor no Brasil, escrever é
só um um pedaço da coisa. Um pedaço BEM PEQUENO em vários momentos.
Rotina? Agora estou escrevendo esse texto para enviar
para uma lista de e-mails, daqui a pouco estarei resolvendo uma
pendência numa prestação de contas de edital, logo depois preciso
conferir o que tenho de recebimentos pendentes e à noite... Bom, à noite
eu vou dar aula na faculdade (meu plano A, porque não posso chamar de
plano B o que paga a maior parte das minhas contas). "E você não
escreve?". Sim, em algum momento eu vou escrever, durante um longo
período de dias, alucinado e focado (e deixando todas as outras coisas
atrasarem). Enquanto isso, vou matando a burocracia que há por trás
disso.
Apostar na escrita como profissão não é para quem é obcecado por rotina
ou estabilidade (essa última é outra mentirinha capitalista). Eu demorei
para entender isso, mas, quando finalmente entendi, consegui lidar muito
melhor com as expectativas e frustrações que vem embarcadas em produzir
arte no Brasil. E é uma coisa que pode demorar. Só depois de uma década
nessa indústria vital, eu consegui falar (sem ficar envergonhado) que trabalho com isso. Talvez porque na primeira década eu mais gastava do que ganhava grana escrevendo.
Além da burocracia, tem um pouco mais... Para muita gente, meu trabalho
como escritor é escrever e lançar livros autorais (aqueles feitos de
forma natural, com ideias minhas mesmo). Fica escondido debaixo do
tapete um sem fim de "freelas" que dão mais sustentabilidade financeira.
Enquanto este ano eu lançava apenas uma obra inédita e autoral (já comprou sua Luzia?),
eu estava fazendo também dois quadrinhos institucionais (encomendas para empresas),
escrevendo 92 páginas de um roteiro de HQ encomendado por uma editora e
ainda desenvolvendo alguns roteiros para vídeos institucionais. E falando em grana,
não podemos esquecer dos eventos, que (quando pagam) são uma das
melhores fontes financeiras desse ramo.
Resumindo: é preciso deixar um pouco de lado o romantismo dessa
profissão. Meus amigos que vivem apenas disso, até mesmo alguns que
podem se chamar de bestsellers, têm que ralar MUITO com
atividades paralelas à escrita para conseguir, de vez em quando, lançar
aquele trabalho que realmente saiu do coração deles.
Eu falei sem romantismo? Tá, vou me permitir uma coisa breguinha e
cafona no final deste texto. A resposta que muito escritor dá quando lhe
perguntam se ele vive de escrever, você já deve ter ouvido, é que eles
ESCREVEM PARA VIVER. E é bem isso mesmo. A melhor forma de encarar essa
atividade é entendendo que você faz porque precisa e, no decorrer do
processo, vai botar para fora o que acha que precisa botar. Para mim,
hoje, isso é um grande privilégio.
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