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21 de jun. de 2009

Sebastião: sangue preto – parte 7

Leia a parte 1.
Leia a parte 2.
Leia a parte 3.
Leia a parte 4.
Leia a parte 5.
Leia a parte 6.

Senti meu sangue ferver. Eu precisava fazer alguma coisa. Procuraria avisar ao meu senhor? Juntava-me aos negros lutando por minha liberdade? Prostrava-me no quarto e esperava os eventos desencadearem-se? Na certa não seria esta última opção, afinal eu nunca fora de deixar o destino transcorrer a revelia sem antes tentar forçar um desvio.

13 de jun. de 2009

Sebastião: sangue preto – parte 6

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Leia a parte 1.

Leia a parte 2.

Leia a parte 3.

Leia a parte 4.

Leia a parte 5.

Certa madrugada, a lua cheia imponente ilustrava o céu. Eu fazia minha ronda dentro da casa-grande como vigia. Como todas as outras vezes, flagrei Jorge abandonando seu quarto para o tradicional assédio as negras na senzala. O sono de Rita também era inquieto. Vestida apenas de uma camisola longa, com detalhes bordados quase transparentes, a filha do senhor começava a me provocar da porta do quarto de Lúcio. Suas madeixas claras caíam sobre seus dois pequenos e curvilíneos seios, que vazavam as pontas escuras dos seus mamilos. Entediada com a escala no quarto do irmão mais novo, ela entrava e saia do cômodo repetitivamente, e meus brios masculinos já começavam a perturbar. Desde a captura na África eu estava privado do contato com mulheres. Em verdade, nenhuma mulher havia me interessado como Umaiame havia feito. Com Rita não era diferente, pois a sua cor branca, afinal toda aquela opressão também nos fazia um tanto preconceituosos, e seu jeito oferecido não perfilavam meu tipo de esposa àquela época.

– Sebastião, tem uma ratazana no meu quarto... Tira essa nojenta daqui! – ordenava a senhorinha.

Nada eu podia fazer mais a não ser obedecê-la. Eu sabia que o rato ali era eu, entrando direto na ratoeira do destino.

Parado dentro do quarto, assisti Rita se despindo. Mesmo com apenas dezesseis anos, seu corpo estava quase completamente formado. Podia talvez alcançar os dois extremos de sua cintura com uma mão, de tão fina que era sua silhueta. Seus movimentos eram lentos e sedutores. Minha respiração acelerava, quando ela se aproximou de mim, desatando o cordão que segurava minha calça.

– Na próxima semana vou-me embora do engenho com meu irmão. Não verei um só macho durante longos anos. Não é um desperdício? – Rita tocava-se – Também é um desperdício um negro como tu. – disse a moça dando uma volta em torno de mim, que continuava paralisado, evitando o confronto com os olhos da menina – Disseram que tu eras príncipe na África. Agora entendo toda a tua majestade... – foram as últimas palavras de Rita, antes que eu a jogasse na cama e caísse por cima dela.

Não podia mais suportar aquele joguete da senhorinha. A abstinência a que eu havia me prostrado fez com que eu desse a ela o mais puro sexo. Rita não era virgem. Na certa, algum capataz mais corajoso do que eu já tinha se aventurado nas curvas do seu corpo. Ou mais de um. Ela sem dúvida sabia o que estava fazendo ali.

Entretido nos braços de Rita, não percebi que, subitamente, seu irmão mais velho invadia o quarto. Descamisado e ofegante, Jorge tinha em seus braços uma negra desacordada e seminua coberta de sangue.

– Rita, o que fazes que não vigias Lúcio... – Jorge subitamente interrompeu sua fala ao me ver por cima de Rita – Nêgo vagabundo, como ousa... – Jorge soltou a escrava, que desabou no chão, e me arrancou da cama, me jogando no canto do quarto.

Rita parecia assustada, mas apenas observou, sem protestar em minha defesa. Lúcio agarrou a irmã pelo braço e puxou-a para fora do quarto.

– Logo papai saberá como castigá-la por tamanho pecado, mas por agora tu me ajudas a conter Lúcio... Ele está pior do que o normal... Quanto a tu, negro – voltou-se para mim – terás também tua punição.

Ao proferir essas últimas palavras, Lúcio bateu a porta do quarto de Rita com força, e o barulho que se ouviu a seguir pareceu ser da chave na fechadura. Eu estava trancafiado. Corri para a janela, que, além da porta, era a única abertura do quarto. Logo percebi que não me serviria como rota de fuga, por estar no andar de cima do casarão de Antônio Maria. De lá, no entanto, me chamou a atenção a grande lua cheia que despontava naquela noite, um prefácio do que estava por vir. Pude ver ainda mais ao olhar para o térreo.

Espreitando sob as sombras, reconheci um vulto entre vários outros, armado com um pedaço de bambu. Do lado de fora, o negro Francisco preparava a revolta que há tempos tramara. Depois que comecei a morar com os capatazes, havia perdido o contato com a senzala, mas sabia que o motim logo se realizaria. Além dos escravos, vi pessoas não tão fortes e de peles menos escuras. Eram índios. Francisco provavelmente havia feito uma aliança com os nativos, que buscavam vingança. Um massacre tramado para um dia de lua cheia.

CONTINUA NA PRÓXIMA SEMANA

Texto por Zé Wellington.

7 de jun. de 2009

Sebastião: sangue preto – parte 5

Leia a parte 1.

Leia a parte 2.

Leia a parte 3.

Leia a parte 4.

Meu serviço na casa-grande era claro: vigiar os pertences de Antônio Maria e ajudar os capatazes a capturar escravos fugitivos. Eu saia do posto de escravo, inclusive não dormindo mais na senzala, e era elevado a capataz. Minha nova casa era junto dos meus colegas de trabalho. Mas achar que aquilo traria algum conforto a minha vida era pura ilusão. Dividia quarto com o capataz que fracassara na defesa do senhor de engenho, que me olhava com desdém sempre que nos cruzávamos. Os outros capatazes não ficavam para trás e não concordavam com um negro entre mamelucos. Como se não bastasse isso, meus ex-companheiros de senzala me condenavam por eu fazer parte das caçadas aos negros fugitivos.

Restava a mim uma vida solitária, resignada aos serviços, principalmente, no interior da casa-grande. Em alguns meses já estava a par das rotinas da casa e dos familiares do meu senhor. Jorge, por exemplo, trabalhava duro com o pai no engenho. Era um garoto com os hormônios à flor da pele, como se costuma dizer, e não aceitava que teria que se tornar padre, como queria Antônio Maria. Entraria no seminário em alguns dias, o que vez ou outra o revoltava e provocava grandes discussões à mesa. Já Rita parecia aceitar melhor a vida religiosa. Tinha uma beleza provocadora, que sabia usar despudoradamente. Freqüentemente se oferecia aos capatazes, que, mesmo tentados, sabiam que poderiam estar assinando seu contrato de morte e evitavam maiores intimidades. Mesmo dentro da casa-grande, pouco sabia a respeito do filho mais novo. As histórias da senzala realmente não eram exageradas. Lúcio, como era chamado, vivia enclausurado no seu quarto. Por motivo que eu desconhecia, ele não comia a mesa com o pai e os irmãos. Sua face era um mistério, e poucas vezes eu vira a porta do seu cômodo se abrir, exceto para a entrada de seu pai ou um de seus irmãos, que se revezavam nos seus cuidados. Quaisquer outras pessoas não tinham autorização para entrar ali. Tanto em seu quarto como nos demais da casa, imagens, crucifixos e todo tipo de acessório religioso preenchiam as portas e as paredes. Ficava imaginando se Antônio Maria não teria atribuído à religião, ou a falta dela, a morte de sua esposa e de seu primogênito. Sobre essa história, inclusive, alguns boatos corriam na casa.

O primeiro a se dizer era que esse tema era proibido na casa-grande. A última escrava que havia apenas pronunciado o nome de Lúcio à mesa havia sido chicoteada no tronco durante toda uma noite. Em rodas de conversa na cozinha, escutava as escravas sussurrando a história da família. Há poucos meses o senhor de engenho e seus familiares haviam chegado de uma viagem a Portugal que havia durado mais de dez anos. Durante esse tempo, a família vivera em Lisboa, e Antônio Maria apenas esporadicamente viajava ao Brasil, para se assegurar de que tudo estava em ordem em seu engenho.

Seria uma viagem a passeio que duraria alguns meses, não fosse uma repentina doença rara que acometeria Pedro, filho mais velho de Antônio Maria, na época ainda uma criança. Tendo consciência de que na Europa disporia de melhores recursos médicos, a família inteira decidiu ficar para que Pedro se tratasse. As escravas contam que durante a doença de Pedro, sua mãe, Dona Mocinha, descobrira que estava grávida. Pedro morreria algum tempo depois, próximo da data em que seu irmão Lúcio nasceria. Ao que parece Dona Mocinha teria morrido durante o parto, em decorrência da mesma doença de Pedro e do desgosto de perder seu primeiro filho, o que teria mexido profundamente com Antônio Maria. Mesmo com as duas dolorosas mortes, o senhor de engenho e os três filhos restantes continuaram no Velho Continente até Lúcio completar dez anos.

A volta definitiva de Antônio Maria ao Brasil também rendia histórias, no mínimo, exóticas. Lúcio havia sido trazido até o engenho dentro de uma de carruagem sem janelas, e ninguém viu sua transposição para o quarto em que estava. Às vezes me questionava se o filho mais novo do senhor do engenho realmente existia, ou ainda se o meu senhor apenas havia depositado a culpa das duas perdas que tivera no filho caçula, aprisionando-o como castigo. Isso eu saberia em breve.

CONTINUA NA PRÓXIMA SEMANA.

Texto por Zé Wellington.

6 de jun. de 2009